ESTOPINS DA ALMA

Então vi você.

Debruçada numa fronha encardida, mal dormida, mal parida.

Seus olhos arremelados fitavam o vazio fugindo do cabresto.

Suas mãos procuravam as minhas e só achavam o áspero e o vazio.

E até ficavam feliz com isso, acredite.

Então vi você.

Aquele jeito de perdida, untada no próprio suor, acorrentada nas vértebras do próprio medo, da própria melodia que tanto dançamos juntos.

Uma gazela que desconhecia o próprio passo, a própria cor, o próprio destino, o próprio amor perdido.

Então vi você.

Louca por um olhar, um cheiro, um sopro qualquer, o que fosse.

Doida por um bom dia, um afago de longe, um passo em sua direção por mais trêmulo que fosse, por mais nada que fosse.

Então vi você.

Assim desarmada, oca de sonhos, pobre de solidão, com a voz entupida e os desejos roídos como minhas unhas, tanto dos pés quanto das mãos.

Então vi você.

E dessa vez não fingi novamente que tinha entrada na sala errada, colocado o sapato do outro ou beijado uma boca que não desejava.

Olhei você e virei minha cara para o lado mais fundo do inferno.

E lá fiquei até o fim dos meus dias só pra não ter mais que ver você.

Ou não ter mais que ver a mim mesmo, que no fundo era a mesma coisa.