Do amor e outros demônios
I
sento e digo que vou escrever
um poema –
coisa inútil para aliviar a dor
que não passa.
mais fácil – e com maior efeito –
seria, talvez, gritar a deus:
senhor, arranca-me
esse coração do peito!
ou, quem sabe, sentar
numa pequena mesa de bar,
pedir alguma bebida
e ver uma bela mulher passar.
mas não: pego palavras
e aperto-as para caber
aqui, na folha em branco
da minha vida vazia.
espremo-as, querendo
que liberem seu sumo,
sua vida, seu bálsamo,
sobre essa carne fatigada e ferida;
e, assim, apaziguar a dor.
mas não: a dor que bate
insiste em bater –
e eu já cansado de apanhar,
com sede, fome e chagas,
na última gota de dor e sangue e sal e lágrima,
pego as mais simples,
as mais duras, mais navalhas:
que fazer quando o amor,
roendo por dentro,
vem subindo até a goela?
II
eu quis falar de amor:
e disse: amor é demônio:
mas isso não é novo:
então, num vício milenar,
tomo papel, tinta e palavras:
e faço um poema pra me exorcizar.