DE QUE VALE O TALENTO?

Esse dom de rementente desconhecido que emerge quando quer,

quando entende como certo, quando supõe ser oportuno,

Esse fardo, por vezes alento, que vem tatuado em toda extensão da nossa pele, até na parte de dentro, principlamente nela.

Esse filho que não fizemos, mas que é nosso herdeiro, ascendente e cúmplice de cada falseta que nos prestamos a dedilhar ou ocultar.

Esse invasor que derruba portas, medos e gritos como se tivesse carta-branca dos céus, ou de quem quer que seja.

Essa criatura espremida nos vácuos dos nossos pensamentos e que supomos conhecer, mas que será para sempre o nosso maior corpo estranho. O nosso maior corpo-estranho.

Essa amante que sacode nossos lençóis quando dormimos, que ri das nossas estrepolias mais azedas, se esbaldando até não poder mais.

Esse desbravador de veias e músculos que se desprende das nossas fantasias como uma ferida que nunca se cansa de não se cicatrizar, nem de se arrematar de vez.

Esse fôlego que teimamos em domar, mas que nos tem no seu cabresto com toda força dos mundos, dos muros e nas varandas em que debruçamos quando nada mais nos resta a fazer nessa vida.

Esse bruxo que carregamos nas mochilas da alma feito adarilhos que vão não sabemos pra onde, mas nunca se fartam de ir, nem de vir.

Esse bailarino com tantos panos, laços e gingas, ao qual nos curvamos agradecendo pelos aplausos ou pelo vazio das nossas platéias.

Principalmente pelo vazio das nossas platéias.

Esse menino que nunca será homem, que já nasceu homem, já se fez menino, já se fez homem, já nasceu menino.

Essas cores que nos confundem, deixam a mente órfã e os dedos atônitos, mas que ainda nos servem um copo de gim quando pedimos.

Esse adeus que hoje faço e que, confesso, não peço e nem desfaço num acesso, num abcesso, esqueço. Adeus, por fim.