Desejos avessos
São tiros de festim atrelados ao vento,
sem cabresto, sem ranhura, sem piso falso,
são gueixas bêbadas dando suas vidas por um teco de pão.
Conheço cada fala, cada pedaço de pele, cada treco em roupa de sonho,
já percorri suas linhas da mão tantas vezes quanto quis, e pude,
já teimei em arrematar seu fardo com meus remendos de arlequim bêbado, de meretriz no final da estrada.
Hoje ficamos só nos dois, na espreita de um afago, de um apego, de um arremedo, de um medo, de um tumor fatal.
Hoje nos caçamos como se fôssemos pedaços de um filme que nunca mais será exibido, nem lembrado.
Hoje nos suportamos como se tivéssemos o destino conjugado, compartilhando a kitchinete da vida sem nunca ter que dar bom dia pro outro, nem que isso fosse preciso.
Se nos olhamos no espelho nada vemos, só sombras fazendo careta pros nossos desvarios, tantos desvarios, tantos desprezos num mesmo copo de gim.
E você, reclusa nas ancas dessa paixão sem sal nem desdida, fica aí, calada, bruxa atônita entre fronhas meladas de suor vadio, de um gozo vencido, tardio e até precoce.
Quero você, nem que seja para te mandar embora.
Quero você, nem que seja para arrancar tuas falas e teus parcos horizontes de uma só vez, sem perdão nem delicadeza.
Quero você, nem que você a parte de mim que mandei pra rua buscar seus vinténs, tendo que abrir as pernas pra quem pagasse mais. E dizer foi bom e que quer mais, muito mais.
Quero você, nem que pra isso tenha que estourar meus miolos, vadiar meus sentidos e, sobretudo, deserdar meus piratas e barões.
Quero você, nem que precise laçar tuas anáguas, cravejar teus pântanos de fogo e lambuzar teus gozos mais ninfetos, mais virgens e mal falados.
Por isso digo, vamos nessa alegoria onde os palhaços sempre seremos nós, e os mendigos que mais brotamos serão sempre os reis da nossa festa, os rebentos da nossa fresta, os lamentos da nossa fé.
Quero você porque te amo. E esse amor não é capaz de segurar as rédeas que a vida nos contaminou, porque esse é o nosso sonho
Mesmo que você tanto teime em se afundar e deixar tudo ir pela mão do vento, pela alça do medo e pela vértebra de uma história que ainda não fechou sua bilheteria.
Te amo, viu?