ABSTRAÇÕES
Das frutas colhidas restaram
Tão-somente abstrações:
O aroma, a cica, o travo, a saudade.
Dos açucares sobraram apenas fragmentos.
Neste espaço frugal, pende um gosto inefável
Um viver deveras afável
Na alegria desvairada dos quintais
Seus filhos sazonais e esculentos
Nesta tenra puerícia
Desta torrente irisada e salutar
Apesar de que no sal da terra
Os entes descansam e nutrem
As raízes do porvir.
As ruínas não são tão ruins
Elas são marcas-d’água
A assinalar novos ciclos
A crisálida é o renovo
Da larva passada.
O basalto é o legado
Da lava lançada.
A pepita é o mérito
Da lavra explorada.
Faço dos versos, casamata
Na batalha entre realidade e sonho
Pois cessaram os sabores e olores da aurora
Neste horizonte fusco e teimoso
Na insistência da vontade humana.
Mas sigo a pescar manhãs
Garimpar tardes
Festejar noites
Repousar madrugadas
Em busca de uma alvorada
Verde e calada
Como num certo dia vi existir.