DECOMPOSIÇÃO

Eu sou ninguém...

Sou presença dispensável, como ausência, descartável

Sou o sorriso amarelo que não contagia

Sou exemplos não seguidos, como templos demolidos

sou palavra sem conforto, minh'alma é vazia

Sou dor que não faz sentido, um nobre desconhecido

Sou um ser amordaçado pela agonia

Sou um ponto no espaço, o sucesso do fracasso

Sou o grito de revolta, voz que silencia

Eu sou ninguém...

Sou alguém que ninguém busca, sou a luz que não ofusca

Sou a nuvem carrancuda que esconde o dia

Sou o frio do inverno, sou o fogo do inferno

Sou loucura manifesta pela histeria

Sou um corpo combalido, um tumor apodrecido

Sou a carne corroida pela alergia

Sou doença incurável, um fantasma abominável

Sou a morte traduzida em melancolia

Eu sou ninguém...

Sou a culpa do pecado, um modelo ultrapassado

Sou quem fez alguma coisa que ninguém faria

Sou a dose de veneno, sou o gigante pequeno

Sou o frasco de perfume quando esvazia

Sou a cobrança do ágio, portador do mal presságio

Sou um monge excluido de uma confraria

Sou a força do carrasco, o motivo do fiasco

Sou o vírus que se espalha numa epidemia

Eu sou ninguém...

Sou a fonte do mau cheiro, soldado prisioneiro

Sou a mão do poderoso, sou a tirania

Sou a ave de rapina, sou a arma da chacina

Sou bisturi que disseca a cidadania

Sou o carcoma do seio, o pobre patinho feio

Sou a crise de garganta numa noite fria

Sou a gota que transborda, a doçura que engorda

sou o crime organizado da periferia

Eu sou ninguém...

Sou verme de sepultura, o limiar da loucura

Sou a crença maculada pela heresia

Sou modelo de vergonha, pesadelo de quem sonha

Sou o som descompassado da disritmia

Sou uma mera aparência, conteudo sem essência

Sou a mente estuprada pela hipocrisia

Sou a blasfêmia na prece, sou a vida que fenece

Sou ninguém, pois nada importa a sabedoria

Heliodoro Morais
Enviado por Heliodoro Morais em 18/07/2009
Reeditado em 18/07/2009
Código do texto: T1705808