MÁGOAS DE UM SERTANEJO

(Desmatamento do Morro do Estreito/1975)

Tamanha mardade, meu Deus, não consigo nem oiá!

Cá de longe eu escutava o pack! Pack! do machado a cortá

e toda mata num silênço que o ome jamais precebeu...

Era o fim da tradição, caça, pesca e sertão

Era o fim das cagaiteiras, dos puça, araçá !

Era o fim do meu sertão !

Dói meu coração um dor de moer a alma da gente!

Mode ver este tal pogresso acaba com natureza

mata o meu sertão...

Não tem explicação!

O ome acaba com tudo pra dispois se lamentar !

Estão matano os rios, tratorano as matas

e um dia... um dia...ah! sabe Deus um dia!

O que será de todo esse mundão d água

promode diz que tudo vai virar terra de plantação.

Não vai ter mais lenha pra fazer comida!

Nois vai cozinhar com bujão de gás?

Minha muié e meus filhos oiam pra lá com os zoios chorado

E aí dá uma pontada funda quando chorando me diz Remunda:

- Zé adonde os meninos vai comer ingá?

Adonde ome, os passarim vai cantá?

E adonde, criatura de Deus, a lua vai se aninhá?

- Ai muié, não me aveche com essa falação

Vosmicê fala com tanta dor nesta fala

Não sabe acuma sofre este veio coração !

Se home não chora, hoje vou me acabar de prantear ...

- Intonse diz Zé

adonde vamos pegar caju, pitomba jatobá e pequi,

para comer e fazer sabão?

Nois vai ter de comprar de tudo na venda de Seo Tabakim!

Roçaram o Morro do Estreito

cabaram com tudo que tinha lá

desmataram sua cortina verde, tão bonita!

arrancaram inté os pezim de maracujá !

Seo João Diamantino fez tudo pra impedir...

teve jeito não! teve não!

Escuta como canta triste o juriti !

pobres passarim!

voam feito loucos querendo aparar os nim

que cai, com os pé-de-pau!

O morro vai virar lama e a terra, o rio vai assoriá

dá um nó no coração a dor de vê tudo isso virar carvão!

as cagaiteiras... os araticuns e juazeiros...

e os ribeiro donde brota água, que será Jesus !

- Remunda, minha doce patury, arruma as mala

nois vai parti!

Escuta como canta triste a pomba e o sabiá!

Diz prus menino que nois vai lá pru Goiás

terra de nós baiano, que vive nestas bancas de cá!

Mas quem sabe um dia ajude Nosso Bom Jesus da Lapa

nois de chorando volta sorrindo

pra vê este morro um dia vestino naquele seu manto reá!.

Flamarion Costa
Enviado por Flamarion Costa em 18/06/2009
Código do texto: T1654909
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