Até o dia raiar

Conheço todas suas manhas, pregas e folguedos,

só de olhar já sinto o seu cheiro, seu gosto, seu próximo cenário,

nem preciso de você para ter você inteira, só para mim.

Sou capaz de dissecar cada pétala que salta dos seus poros,

sou capaz de extasiar seu peito feito filho parido agora,

sou capaz de rasgar os mofos da sua voz num cálice que vive vazio.

Ainda assim, destravo as garras daquele cadeado que você esconde do mundo,

ainda assim, me desnudo escravo só para lamber as plantas encardidas dos seus pés,

ainda assim, me respingo de suor para atingir seu cume todas vezes que você sonhar, ou não sonhar.

Lembro da gente brincando de roda, de esconde-esconde, amarelinha talvez,

lembro da gente nascendo da mesma barriga, grudados feitos frutos da mesma dor, feitos casca da mesma ferida,

lembro da gente descobrindo os trancos da vida e chorando tudo que aguentava, toda essa dor que esmigalha sem perdão qualquer.

E hoje, crescidos e intensamente prontos para tudo, nos grudamos um no outro feito musgo, até o dia raiar.

E então, vamos nos servir o café, sacudir os lençóis, banhar os dentes, descabelar os músculos e seguir a vida.

Que nunca foi tão nossa quanto agora.