O QUE O DESEJO NÃO DIZ
O desejo é sarna que não conhece o perdão,
é uma refeição indigesta, falida e que só faz besteira,
um cacique sem tribo, sem ginga, sem endereço.
O desejo é um pássaro que nunca ousou voar,
fica agonizando num copo de bar, numa cama fria e arrumada,
fica se achando que tem tudo, mas não vale nada.
O desejo é uma alma jogada num desmanche de beira de estrada,
uma farsa que se escorre pelas pregas de um mal ajambrado uniforme,
uma saga que ninguém terá coragem para viver, nem tampouco contar.
O desejo não tem etiqueta, não toca trombeta, não dilacera nem deflagra,
é um suspiro com prazo de validade vencido, um desbravador que não avista um palmo na frente do nariz,
algo que nem deveria ter vindo, de verdade nem deveria ter sido concebido um dia.
O desejo é a mãe de todos nós, à qual nos curvamos até tocarmos a nossa alma, num lugar que ninguém jamais ousou chegar perto.
É a nossa sina, é o nosso cabresto, é o arranjo mais colorido e cheiroso do nosso funeral.