Falando de palavras
A palavra tem pernas, portas e tantas miras,
é capaz de dissecar, debandar ou surrupiar o que quiser,
é capaz de encadernar, refogar ou extirpar o que lhe der,
é capaz de afagar, atracar ou desvirginar o que puder.
Ela é uma faca pronta pra testar seu fio sem medo,
é uma tala que nos fala, nos cala, nos empala,
uma fralda que nunca deixa de conter seus filhos,
uma maca que nunca deixa de deitar seus sinos.
A palavra é uma asneira que tomamos por coisa séria,
uma rameira que nunca traremos pra casa pra reinar enfim,
uma fada que já esgotou sua varinha de condão há tempos,
uma cama onde os nossos ossos finalmente terão paz.
Sempre tive alforria para fazer das palavras o que o vento mandar,
sempre tive paciência de tocar todas suas teclas sem medo de errar,
e sem medo de me ferrar,
como se fôssemos aliados na mesma veia, alças da mesma bolsa, cicatriz da mesma ferida.
Um dia, por certo, talvez me perca nesse oásis, talvez não consiga mais ver-me tão bem no reflexo da água,
então farei o já estava escrito nas linhas da minha mão.
Vou pegar todas e tantas palavras que couberem nessas letras que foram filhas e que hoje são só lembranças,
e vou colocá-las para dormir junto comigo, para sempre.