A COMPARSA DAS MINHAS BRAÇADAS

Você é tão pequena, quase não dá pra ver,

nem lembro direito quando apareceu,

mas está comigo há muito tempo,

até parece que já faz parte de mim,

que foi formada junto comigo.

No começo não gostava de você,

tantas vezes joguei você longe, com raiva,

mas quando menos esperava, lá estava de volta,

para me atazanar a vida melhor que ninguém.

aplicando toda sua maestria secular.

Mas fui me acostumando,

entendendo que não era tão mal assim,

mas continuava incomodando, isso sim,

mas de um outro jeito, com outra fantasia,

outro eco, outra tradução.

Não sei dizer de onde você aparece,

nem, tampouco, como você é direito,

mas acabei sentindo que era mais que um calço, tinha outra vertente,

outra nascente, outra razão de ter vindo a esse mundo,

para o meu mundo.

Você me ajudava a marchar, a vasculhar os meus segredos dessa vida,

a ter gana para dopar as feras desse mundo.

Por isso hoje até reverencio a sua sina, a sua missão de fé.

E por ter compartilhado da minha vida nesses quase 20 anos,

por ter sido o outro pilar dos nossos frutos tão especiais,

por ser aquela compressa bendita que nos arranca do inferno.

Graças a você, conquistei muitas coisas, alinhavei muitas vitórias,

não faltaram surradas cabeçadas, derrotas também aos montes.

Graças a você, descobri banidos atalhos, ignorei muralhas e mortalhas,

voltei do fim do mundo,

tive energia para vencer tantas barras que já nem sei,

tive músculos e ossos para desnudar todos fantasmas da minha vida, simplesmente todos.

Você é algo muito especial, sério,

minha querida companheira de todos rangos dessa vida,

protagonista da minha varanda predileta, a renda que reservei para o dia que iria para os céus.

Comparsa de tantas braçadas que demos em alto-mar sem deportar um tiquinho de fôlego,

sem umedecer quaisquer recantos da nossa alma.

Apoio de todas as vezes em que cismei de ir para os meus precipícios,

alicerce em brasa para os momentos em que o mundo estanca,

vira gosma, vira uma massa disforme, encardida e maltrapilha.

O empurrão mais agudo quando mingua toda minha gana, todo tesão, todo sentido que aporta nessa vida.

O remendo quando o vento insiste em colocar tudo do avesso,

a dádiva que faz o meu sangue funcionar de novo,

emplastro feito do mais resistente diamante que já vingou por aqui.

Por isso dedico a você toda a gratidão que couber nas minhas veias, nas minhas teias, nesses meus mancos e surrados repentes de poeta.

Que eu, tomara, também venho ruminando esse papel na sua vida desde sempre.

Para minha querida e sempre presente pedra do sapato.