COPO DE GIM
A saudade é um fado, um fardo, uma sarna, uma fada talvez,
que a gente leva pra tirar no banho e ela fica mais e mais na gente,
como um operário ganhando seu pão no canavial,
com os passos seguidos de quem já perdeu as duas pernas e
precisa andar mais e mais.
Poucas saudades tive na vida, se é que tive alguma vida,
filhas dos amores por quem decapitei os meus desejos,
náufragos numa ilha perdida dentro de mim mesmo,
partes de um flâmula trêmula nos beiços de uma Maria qualquer,
ou de quem você quiser.
Tantas saudades tive na vida, se é que tive alguma vida,
engolidoras de facas no meu circo de horrores,
fera que vou abater atracando sua jugular com meus tangos de menino, com meu estilingue feito dos meus depilados algozes, nessa baba inerte e imberbe que conheço de mim,
ceia que nunca vou conseguir me fartar, nem deportar, nem levar para o fundo do poço.
Lembro de uma saudade em especial, como me lembro,
copo de Ki-Suco, ou de groselha, ou de leite C com gosto de plástico,
eu louco por desnudar os dias do calendário que estavam por nascer,
ou só querendo entender os gargalos da noite, os sussurros que meus ouvidos ainda iriam rastejar, ainda iriam deixar de molho, de ressaca certamente.
Outra saudade se faz mais torta, se faz mais avessa, espessa,
é aquela de tocar as mãos em quem nos ensinou a digerir as rédeas e retalhos da nossa alma,
para estirpar as verrugas do medo, cavalgando nas encostas de tantos sonhos, de tantos prantos, da tantos cantos.
Hoje já não tenho mais o sangue para galopar nesses confins de mim mesmo e nem, tampouco, descobrir onde estava a cabeça e o rabo da minha presa predileta.
Porque toda aquela saudade, com seus canhões e tachinhas sempre apontando para o que tenho de mais matreiro, mais moleque,
agora se afoga, solitária e fria, no meu encardido copo de gim.
Garçom, manda mais um.