MEU MENINO

Vem atiçar esse menino que vive dentro de mim,

puxa pela mão, chama pra brincar, pergunta se quer um teco do bolo,

faz de conta que a gente é amigo,vai...

Esse menino agora já não quer saber de correr descalço pela minha vida,

já esqueceu a tabuada, o feijão da avó, até o caminho de casa,

quando fez as malas e sumiu no mundo levou tudo o que era meu,

tudo o que um dia foi meu.

Lembro quando ficava com medo durante o esconde-esconde,

tremia inteiro só porque não sabia onde você estava, e muitas vezes você não estava em lugar algum,

lembro que não deixava nenhum buraco desvasculhado,

parecia uma ave de rapina avistando a sua perdiz e mergulhando pra devorá-la num vôo cego,

mas você levou tudo o que era meu,

pena, pena mesmo.

Vem, faz boca-a-boca nesse menino pro meu coração voltar a andar de carrinho de rolimã,

vem, prepara aquele bolo de fubá porque estou com fome, vai,

vem me por pra dormir, vem abotoar aquele último botão de camisa,

vem dizer pra eu ir com Deus...

Mas hoje, sentado sozinho nessa cadeira de balanço,

com os pensamentos trêmulos e os desejos embranquecidos, tardios e

molecamente velhos,

descobri que aquele menino já não vive mais, nem dentro, nem fora de mim.

Foi embora numa folha que veio voando do nada e sumiu pro infinito.

Agora dele só tenho seu cheiro, seus encardidos e suas rugas cravadas na face,

adeus, menino. Até nunca mais.