# Porão #
Finjo a disposição de estar
frente a frente comigo mesma
planejo o diálogo, sustentado
em retóricas e palavras escolhidas
sei bem o que quero dizer a mim
sei ainda, onde quero chegar
o que quero tirar de cada esconderijo
trago as chaves para abrir as trancas
a candeia pra percorrer escuros corredores
a máscara da coragem, como armadura
o compasso ereto e decidido na descida
sei bem da umidade e sujeira acumuladas
de quanto me assusta esse porão
quão horrível pode ser o que verei de mim
há só um véu a se levantar..parece tão fácil
assim sigo, descendo e descendo , tremula
já gemidos pode-se ouvir, doídos, roucos
tanto lamento e tanto abandono posso sentir
em cada som desse choro, choro de séculos
sei bem que não posso me apiedar, antes
a toga da justiça e da razão, hei de manter
sei bem da capacidade que tenho de me corromper
com prantos ensaiados e manipuladores
dos que compram a compaixão, a relevância
e de como foi difícil, novamente, decidir
essa necessária descida, esse confronto
não posso desta vez voltar vencida
no papel de senhora da “casa”, sabendo
que mesmo que trancada no porão,
sou, ainda ela; a que, ainda, me domina...
m.raposo*