MEUS ZUMBIS
De repente, você estava aqui.
Como um refogado tardio, uma maçaneta de porta encardida de tanto pegar, de tanto pegar.
Parecíamos velhos parceiros, cenas de um filme projetado nas palmas da nossa mão.
Reparei nas rugas do seu sorriso, bonito, dava até para espiar sua traquéia através dele.
Atrás da gente não via um circo, vinha um féretro.
Cutuquei seu ombro com aquele chicote das nossas noites de paixão.
Procurei seu nome nos meus bolsos, nas fronhas do meu ofício.
Fui atrás das árvores da sua vida, fui catando as migalhas que você tanto insistia em cuspir, num gingado fora de compasso.
Fui desenterrando cada fotograma que a vida teimou em marcar na sua pele com ferro em brasa.
Fui matando os zumbis que te atazanavam a alma com garfinhos minúsculos, um a um.
Não fiz isso só para ter você do meu lado, fiz isso porque assim tinha que ser feito.
Teimei em revirar meus miolos só para poder lhe dar um bom dia numa manhã qualquer.
Destravei meus baús mais viscerados só para poder sentir teu cheiro de gazela no cio.
Abri cada poro do meu corpo como se fosse salvar o mundo do caos derradeiro.
Fiz tudo isso e faria tudo de novo se você sugerisse, pedisse, simplesmente quisesse.
Tudo isso não teria sentido se não fosse capaz de colocar você no meu colo mais macio e dar a vida para fazer-te dormir. E fiz.
E de repente, descobri,
que você não estava aqui.
De fato, você nunca esteve por aqui.