FRIEIRAS DO CORAÇÃO
Solidão é um fado, um fardo, um soldo.
Algo que a gente nervura, disseca e descama,
com toda a calma dos tempos,
com toda alma dos ventos.
Conheci a minha ainda menina,
toda prosa, toda nua, toda vulto.
"Vem logo, a janta está na mesa, menino..."
A família em frangalhos se fazia presente através do vazio.
Um pote de geléia aberto sobre a mesa fazia a festa das formigas.
"Vamos, menino, a perua já chegou..."
Corria atônito como barata tonta e bêbada,
feito Arlequim que errou de porta e caiu num convento,
feito retalho que nem era capaz de tapar o buraco que a traça tinha esculpido.
Feito mentira que fugia da boca tal a Besta no seu galope de glória.
Hoje as madrugadas não são mais paridas e nem feridas,
hoje os porões não se prestam mais para esconder o que a vida tinha de melhor, nem de pior,
hoje o que sobra são nacos já maduros de fruta que nem conseguiu pular do pé.
Olho para os lados e me descubro mais sozinho do que sempre fui.
Apesar de ter o mundo turbilhando em volta, apesar de ter a sensação de que sempre terei uma mão para tocar, um cheiro para lembrar e uma mãe para abraçar com toda força dos mundos, com toda as onças dos meus confins mais mofados, sujos e escuros.
Esses confins que tanto insisto em dormir comigo todas as noites, com todas as vozes, com todos as frieiras atônitas desse pobre coração.