REFÚGIO

Recebo a saudade, que sorrateira, me visita.

Sorriso estampado, espalhado por toda a casa

ainda meio desacostumada ao silêncio dos grandes vazios.

Maldita saudade!

Em desenfreada correria me invade noite adentro

e a madrugada acorda e sacode todos os meus sonhos,

desde os mais simples até os que nem ousam ser sonhos,

de tão magníficos, de tão longínquos, de tão incapazes

que são de ser sonho.

Estende-me os braços e sugere uma longa conversa,

onde não haverá sequer um começo,

e onde eu não perceba o seu fim,

mas que eu possa descobrir quando e em que rua

a vida resolveu dobrar a esquina e perder-se de mim.

Mostro-lhe a poesia incompleta,

a lágrima que interrompeu meu verso

e a dor esparramada por toda a cama.

Delicadamente, num gesto que se é de paz ou se é de guerra

eu já nem sei, a saudade maliciosamente me beija.

Nenhum de nós sabe ao certo o que nos une.

Se ela a mim pelo conforto da presença,

ou se eu a ela pela desconfortável solidão

ainda que estranhamente imune.

As horas passam, pouco a pouco

a madrugada envelhece e quase morre,

e eu tento dizer a saudade que não retorne amanhã.

O coração me trai...

a lágrima desta vez silencia minha angústia...

nossos olhares se cruzam, um longo e afetuoso

abraço esconde a incerteza, acariciando

parte de nossas mágoas e toda esta inconsolável tristeza.

Ah...diacho de vida!

Eu e ela mergulhados assim, como se a procura

de um segredo bem guardado,

envolvidos pela chama que move a poesia

e estranhamente ligados pelo amor,

conheceremos nossas mentiras,

dividiremos misteriosamente a nossa dor.

Ela estará de volta na noite seguinte,

sem ao menos disfarçar tamanha insensatez.

E eu, ainda que ferido, verso inacabado,

esquecerei a porta entreaberta

e deixarei que me abrace outra vez.