HORAS

Vieste buscar as horas

Que, quando ainda jovem,

Deixaste abandonadas

No pêndulo do relógio?

Elas trincaram a pele

Do reboco que escondia

A fraqueza das paredes

E a insolência do passado

E descoloriram a retina

Das cortinas que protegiam

A sala das vidraças, do sol

E dos maus olhados.

Leve-as contigo.

Guarde-as.

Guarde-as como quem guarda

O pão caseiro,

No forno do fogão

Cobertas por um pano de prato

Para que testemunhem a saciação

De quem as quer consumidas.

Guarde-as como quem guarda

A aliança de noivado,

Na caixinha de música,

Para que denunciem a subtração

De quem as quer furtadas.

Guarde-as.

Porque elas te encheram a vida de tempo

E lhe farão experimentar o fim.