NOS ROSEIRAIS COM FRAU HILDA
Ainda ouço o som da minha infância
o som da chuva lavando a terra
escorrendo pela vidraça
lambendo os beirais
sinto o cheiro da blusa branca
engomada de minha mãe
ouço a sua voz de soprano
no coral da igreja protestante
ouço o grunhido do escovão lustrando o chão
e espelhando os nossos passos
A guerra ainda não começou
ainda eu não soube que sou filha bastarda
ainda a infância é minha pátria
a guerra do Vietnã virá muito tempo depois
embora houvesse um buraco
onde a água escorria
minha mãe sempre guardava
num ralo oculto o seu choro
e sabia como e quando fazer
as pedras levitarem
Um dia vendeu as tranças
do cabelo que nunca cortara
e comprou trigo e óleo que faltava
no guarda comida
e continuou a encerar
o nosso chão
Nada entendia de signos verbais
mas era a guardiã dos meus calhamaços
de versinhos perdidos
Ainda ouço o som da minha infância
Ainda agora a ouço cantar mãe ...
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