Assombrada
Cá estou eu,parada,
Vendo a noite chegar...
Se soubesse que durante o dia.
Assombrada seria,
Teriam sido mais infelizes,
Os fatos que irei contar?
Estranha pergunta me calou...
Justo a mim, que vivo a conversar...
Mas é justo que a voz se aquiete,
Nem que seja por um momento,
Pois é fato que não se repete,
Embora reste, para ti, te lamentar.
Mas para que resolvestes me assombrar?
Perguntaria "porque", mas não me dirias a razão.
Despedaçastes meu coração,
E simplesmente voltastes, tentando nele entrar?
Queria que entendesses...
Não sou mais aquela mulher...
E por mais que me assombres,
Sei que você não quer
A verdade escutar.
A verdade é amarga aos que não a querem ouvir...
Pensa bem: me fizestes partir!
Me anulastes com teus caprichos,
Me feriste com teu descaso por mim...
E ainda assim,
Insistes em retornar.
Retornar para quê,
Se as portas de meu coração,
Para ti,
Foram eternamente cerradas?
Para que insistes em adoçar o mal feito,
Com promessas vazias e mentiras,
Se sabes que em minha fortaleza não irás entrar?
Não se conjuga em vão o verbo "amar"...
Não se despedaça um coração,
Ou se destrói o porto seguro,
Para o qual se pretende retornar.
E tu o fizestes...
E tantas e tantas vezes...
Chorei dias, semanas, meses...
Até entender que não era real o que amava.
A vida ao meu lado passava,
Mas o que eu amava era uma sombra,
Uma cruel paródia do que acreditava que via.
Por prazer ou por maldade, tu,
Meu espírito em mil partia,
Rindo ao me ver juntar os cacos de meu coração.
O que era amor,
Tornou-se outra emoção...
Não tão nobre, mas igualmente humana...
E em apenas uma noite,
Não em uma semana,
Passei a te odiar.
E foi assim que parti,
Em meio a uma madrugada fria...
Deixando para trás quase tudo que construira,
Para os braços de meu pai voltar...
E as lágrimas que não me vistes derramar?
Simplesmente não existiram...
Secaram em meu peito...
Foi o único jeito,
De sobreviver ao vendaval...
E eu me vi diante de uma velha cidade,
Que me acolhia de maneira maternal...
Outrora boneca de porcelana, mel e riso,
Me tornei alheia aos caprichos de Narciso,
Me trancando em muralhas de espinho e sal.
Passados os anos,
Reconstrui-me, pedaço por pedaço...
Aos poucos, foi desaparecendo o cansaço,
Que me trazia te odiar...
Simplesmente deixei tua memória se ir,
Como os dias tristes deixo passar,
Vivendo quase sem pensar no passado...
Carreguei tanto tempo,
Tão pesado fardo,
Que me senti feliz ao dele me livrar.
Mas a surpresa me espreitava,
Tão logo descerrei a porta...
Quem esperaria,
Naquela hora morta,
Que o passado surgisse sem avisar?
Mil desculpas foram dadas,
(todas toscas e esfarrapadas)
Mil juras foram feitas ao vento...
Aos meus ouvidos,
Tua voz era um lamento,
De um fantasma que vive a se arrastar...
E eu te olhava,
Dividida entre desprezo e a ausência de emoção...
(não é modo de falar...
Te ver nem acelerou minha pulsação)
Nem te odiar conseguia mais.
Via apenas os farrapos de um homem,
Que não se doou jamais...
Foi sempre "eu", nunca "nós".
Foi isso que paralizou minha voz,
Agora entendo...
Te ver e perceber cada máscara,
Que ainda usas, para tentar me enganar.
No passado me enchestes de tristeza,
Porque no presente iria eu te aceitar?
Entende, por mais difícil que seja,
A uma criatura medíocre como tu aceitar:
Meu ex-querido,
Outrora bem amado,
Zombar do meu sentir desse jeito
Foi e ainda é um pecado,
Pelo qual semprei hei de te condenar.
Eu te amei,
Mas amei sozinha, hoje vejo.
Por isso, rasguei tuas cartas sem dó,
Cerrei a porta em tua cara sem piedade.
Infelizmente, para ti,
Não restou em mim nem saudade...
Pois a mulher que conhecestes,
Transformou-se em pó.
Mas isso, não quer dizer que não mais me assombres...
Te arrasta nas sombras,
Chamando meu nome...
Mas o que queres, não posso mais te dar.
Eu reaprendi a me amar...
E por isso mesmo,
Tal assombração não mais me afeta.
É apenas uma incomodação indiscreta,
Que me enche de pesar.
Afinal, sei que pensas no que poderia ter sido,
Caso o amor não tivesse sido perdido...
E é por isso que insistes em me assombrar.
Mas, felizmente, para mim,
Eu não dou trela para fantasmas...
Por mais articulados e belos que possam se apresentar.