Muro 01

Sou eu sozinho neste mundo e este outro,

Que sou eu, mas distinto de mim,

Entre duas paisagens

Que se comprimem contra este muro -

Tão velho e tão o mesmo de então, mas coberto de hera -

Num confronto entre o grito de vida

E o ser citadino perturbado

E corrompido pelo convívio social.

Sempre este muro, símbolo de duplicidade vital,

Sendo momentaneamente ponto de intersecção

E de separação dessa duplicidade:

Conjugando finito e infinito, poucas vitórias e muitas derrotas,

Sendo expressão de meu limite material e humano.

Vivo a sonhar, alternadamente,

Dentro e fora desse muro:

Aquém do muro do quintal de minha infância

Minha ingenuidade pueril,

O desconhecer o mar que me levará à viagem-retorno,

O ver as naus singrarem para o indefinido,

Parado diante do cais de pedra-solidão,

Sonhando com outros cais de onde, talvez,

Tenha partido ébrio de sonhos,

Antes de mim, feliz por desconhecer . . .

Além do muro começa vida:

A consciência angustiosa da morte,

O contacto com o infinito,

A impossibilidade de voltar atrás,

O conflito entre o que se perdeu no tempo

E a luta vã de querer despir-me de quem sou . . .

Oh, Deus, quero esquecer-me

Do modo de lembrar,

Quero esquecer-me de saber

A diferença entre ser e viver! . . .

Oliveira