Alma em tormentas
Noite alta, densa e lúgubre, madrugada tormentosa.
As árvores dormem sob um céu de chumbo.
Um triste vulto, insone, vaga embrulhado num capote,
indiferente ao frio e o uivo do vento que verga o bambuzal a sua frente.
Um zumbi, que tem por hábito caminhar desolado pelas ruas desertas.
Coisa de quem tem desgosto amoroso...
Um poeta a moda antiga a cavar melancolia e desilusões
para depois imprimi-las em seus versos?
Sua alma, mais negra que a noite...
E ao passar em frente a casa da amada ingrata
ergue os olhos e avista na janela uma luz amortecida.
Ela dorme. Indiferente, como quem ignora os segredos de alcova,
que inflamam de desejos o esqueleto indócil do pobre andarilho
apaixonado, com seus olhos langorosos...
Com que impaciência a desejava!
E o piar das corujas lhe parecia tão fúnebre!
Um tédio tão negro da vida, e assim segue choramingando.
Murmurando imprecações ao léu...
*Composto em 19 de março de 2000.
Edir Araujo, poeta e escritor independente, autor dos livros: A Passagem dos Cometas, A Boneca de Pano. Risos e Lágrimas e Fulana (inédito).