Noturno Triste Para a Mulher Distante
Sinto-me triste a mirar os trastes
sob o desastre que o destino impôs...
Sorvendo a ausência que prolonga o mate;
sendo a metade do que já foi dois...
O rancho lindo que abrigou quimeras,
vivendo noites de luar no catre;
vai-se arquejando pra morrer tapera,
gemendo as tábuas no dorido aparte.
Que dor que dói na solidão da gente;
que falta enorme nos corrói por dentro
quando a presença da mulher ausente
ronda a saudade de um amor desfeito.
A casa simples se parece imensa,
Abandonada, pelos cafundós;
de tão sozinho cremos na descrença
que, mesmo, Deus se esqueceu de nós.
E a noite triste vai chorando estrelas...
Chovendo luzes nos confins do sul.
Ao fogo xucro do fogão de lenha,
em desabafo, uma chaleira chora...
E a gente sonha... A esperar que venha
quem nos parece que não foi embora...
Não há consolo que em nós detenha
tamanha angústia que maneia as horas;
por mais coragem que um homem tenha,
sofre a distância onde a saudade mora.
Qualquer milonga é um consolo fútil
quando a tristeza torna a vida atroz;
pois a guitarra é um traste inútil
pra quem, há muito, pôs buçal na voz.
Nem há cambichos, em qualquer bailanta,
Que nos alegre por um só instante
porque os beijos da melhor percanta
não têm os lábios da mulher distante.
E a noite triste vai chorando estrelas...
Chovendo luzes nos confins do sul.
Como deitar para dormir no catre?
(A insônia fere no que apunhala...)
Se a saudade dói por toda parte,
até no cheiro que ficou no pala...
Só um fantasma ronda pela casa
lembrando a dona que morava nela,
e, numa frincha, onde a quincha vaza,
a lua chove a chorar por ela...
Como sair para enfrentar a lida
se na janela ninguém mais acena...
se cada dia dura toda a vida...
e quando acaba traz a mesma cena...
O ocaso vago já prevê desgosto,
é sempre igual quando o campeiro volta
e na porteira vê o sol já posto,
e chega em casa sem ninguém na porta.
E a noite triste vai chorando estrelas...
Chovendo luzes nos confins do sul.
A vida, às vezes, se parece louca
negando tudo que já prometeu...
Quem, tanto tempo, nos beijou na boca
nos rouba os sonhos ao dizer adeus.
Aquele encanto que se fez tamanho...
se faz, um dia, a razão da dor,
e a gente sente que ficou estranho
pra quem, outrora, já chamou de amor.
Assim, o tempo, sem amor nem gozo,
transita lento num relógio imóvel
quando a insônia vem pedindo pouso
num par de olhos que se nubla e chove...
Pois o presente quer ficar parado
Em um passado que se faz presente
nesse abandono que é acompanhado
pela presença da mulher ausente.
E a noite triste vai chorando estrelas...
Chovendo luzes nos confins do sul.