frascos de poesia
cheguei em casa meio atarantado
corri para o armário pequeno
junto ao rack da sala
(muitas vezes o chamei de réquiem
por achar que dali vinha um som moribundo)
atrás dos meus frascos de poesia
cheirei o que devia
e caí sobre o sofá
a boca entreaberta, os olhos revirados
na face uma expressão de conforto
de quem parece meio morto
e comecei a viagem
passando por cima das nuvens
por cima de vales e montes
verdes, azuis, lilás
que eu ia achá-la até mais
longe do que ela estivesse
a musa que nunca adormece
acorda-a a poesia
e tudo até parecia
que era uma simulação
de vôo nessas cabines
de parques de diversão
a gente voando nas nuvens
não sente os pés lá no chão
eu não sentia o sofá
a rua mexera comigo
cachorro sendo atropelado
coroa sendo assaltado
por quatro meninos de rua
um cara mandara-me um vídeo
guardas dando de sarrafo
na bunda de um homem nu
tortura na Venezuela
aonde o patrão diz que nela
o povo tem vez no comando
e é nessas horas ou quando
a frustração me acomete
que eu vou cheirar poesia
e durmo às vezes um dia
depois tudo então se repete
Rio, 30/09/2008