Pássaro Enforcado
Do lado de fora da minha janela,
Há um pássaro pendurado
Uma contemplação tão bela
Do que, em breve, será consumado
Pular sem hesitar,
Com a corda amarrada no pescoço
Sem abrir minhas asas para evitar
Servir-me aos vermes de almoço
Antes que eu apodreça no sanatório,
Melhor eu me dirigir ao crematório
Encerrar minha existência sem sentido
Libertando meu espírito, aqui, detido
Chame o padre, se acha que vale a pena
Crer na falácia da última unção
Não que vá tornar minha dor mais amena
A sina da minha alma sem salvação
Ponha a mão sobre a minha cabeça,
Antes de fecharem a tampa do caixão
Antes que a luz da vida desapareça
E meus olhos se percam na escuridão
Meu corpo retorna ao pó
Mas meu espírito está liberto
Da minha memória, só resta a dó
De uma vida que não deu certo
O mundo me rejeitou,
Feito um útero contraindo
A divina entranha me abortou,
Para o ódio seguir consumindo
Eu rejeitei de volta
A farsa que um dia fora a Criação
Um abismo de pranto e escuridão
Que até no sepulcro me revolta
Junte a Bíblia caída no chão,
Recolha o terço enrolado na minha mão
Para onde vou não preciso de amuleto,
De nenhum santo para velar meu esqueleto
Minhas asas estão intactas,
Mas meu pescoço está quebrado
Um obituário de penas infectas
Atesta meu destino sacramentado
Um salto cambaleante,
No desespero do corpo sufocado
A última façanha agonizante
Do vôo de um pássaro enforcado