Dança dos Corvos
Não posso ver uma janela
Sem que eu resista a me jogar
A morte é uma sinfonia tão bela
Fecho meus olhos e me deixo bailar
Apaga minha dor como apaga uma vela,
Cuja fumaça faz minha alma se dissipar,
Dissipando a vergonha diante do espelho
E dispensando minhas costas do seu relho
Uma flor negra toma o céu
Nas asas de pássaros inquietos
Embelezando a janela do meu mausoléu
Colocando meus intestinos despertos
A clamar a salvação desse pobre réu
Diante de seus medos certos
Meus ossos gozam de um pouco de paz
No sepulcro onde o meu corpo jaz
Voar o mais alto que se consegue
Para, depois, despencar de costas
A despeito da vergonha que o persegue,
Cai um corpo de asas justapostas
No leito em que sua alma sossegue
Flores vermelhas, no chão, dispostas
Um frio domina minhas entranhas corroídas
Revirando-se ao bailar dos corvos suicidas
Tamanho desprendimento,
Ou tamanha loucura,
Viola o quinto mandamento
Com tamanho arrependimento,
Ou a certeza do sofrimento
O faz fugir quando Deus o procura
A ponto de crer que a morte é a cura
De todo o mal, o único livramento
Há muito tempo, venho me esgueirando
Com minhas asas quebradas, agonizando
Implorando que a morte me leve
Ou o diabo se canse e me carregue
Não mais invejar cada corpo que se despedaça
Desejar, que fosse eu, cada alma a virar fumaça
Quero fazer a mim mesmo esse favor
Entrar no vale dos suicidas com louvor
Meu sangue tecerá o tapete da minha chegada,
Varrendo o vexame a que minha vida foi consagrada
Debaixo da minha mortalha, ensaio meu último sorriso
A despeito do meu cadáver, a vida inteira, submisso
Fechem logo a tampa, carreguem meu caixão
Lancem-me, logo, a sete palmos abaixo do chão
As cicatrizes na pele não são cortes entalhados,
Mas litros de choro, em uma existência, sublimados
Com a corda amarrada no pescoço,
Exalto as penas caídas sobre o chão
Como, outrora, exaltei as estrelas na imensidão
Que, a essa altura, serviram aos urubus de almoço
De cima da cadeira, faço um pequeno esboço
Até que o pé resvale no fatídico empurrão
Que não me duvidem todos os dementes:
O inferno é apenas para os valentes