A triste Gárgula
Gárgula
Por que,ó Gárgula?
Por que apresentas essa sorumbática face?
Acaso desmemoriastes que tens de vigiar?
Acima de vossas casas
Para que nos possa então vos resguardar de toda a iniquidade humana
Por que, Senhor?
Por quê preciso fazê-lo?
Fartei-me de observar este mundo virulento
Do alto das catedrais
Fingindo-me cego para a luxúria e a maldade
E figurar-me taciturno para palavras de maldição
A que se incube minha imagem réproba?
Não vês que o demônio não sou eu?
Estou farto de ser tido como monstro
Um ser de cascalhos
Que me foi cerceada a capacidade de voar
Parece-me temor
Talvez, seus prediletos não consigam compreender-nos
Odiada sou
Diz a Gárgula desolada
Que lhe incumbida foi o dever de vigiar
E lhe foi poupada a capacidade de amar
Para que amar, pobre critatura?
Não vês tu que o amor destrói?
Ou tua tristeza te cegou os olhos?
Os sentimentos humanos são navalhas de dois gumes
Fogo para a palha
Veneno para a alma
Tu és poupada disso tudo
Com teu coração de pedregulho
Não vês que o homem mata por amor?
Odeia por amor
Faz guerra por amor
Que tipo de pensamento tens tu ?
Farte-ei-me de sentar
Ver os pássaros voando
E minhas asas paradas
Então, lhe é concedida a capacidade de tornar-se homem
Porém
Quando pousou em terra
Suplicou aos céus
E disse
‘’Falei o que não devia’’
‘’Devolva-me o coração de pedregulhos’’
Assim, lhe foi dada o castigo
De ser homem até sua morte como um
Passaram-se as luas
A gárgula com coração de homem
Passa em frente a igreja
Olha para suas companheiras
E chora
Chora porque tem coração de homem
E chora porque agora ama
E porque aqueles dias sentados
Nunca voltariam mais
E assim vai
A pobre Gárgula
Em direção à esquina
Talvez ela encontre lá sua felicidade
E assim anda
A pobre criatura
Cambaleando
E murmurando contra os céus
Até o fim de seus dias como homem