Olhos negros
No fundo do reflexo vejo apenas olhares perdidos
São olhos vazios, preenchidos por nada além do céu profundo
Um falso brilhante, fulgor de um clarão que se apaga
Um sorriso esguio, um disfarce perfeito da morte
A treva que me consome por inteiro
É como a lua que toma meu corpo de assalto
São os olhos cegos da noite
Dispersos na escuridão do meu ser
É a corrente sanguínea do tempo que se vai embora
Rio escarlate sem rumo
Sopro de vida que flui sem desejo
Na sarjeta tão funda
Um homem rasteja entre sonhos e ratos
Testemunha de remorso e desonra
Mais uma vítima do pesar e do revés
Que consomem sua própria existência
No pesado inverno da alma
Dou um suspiro apertado por entre ossos e garras
Vento de prata forjado em desgosto
Bafo mordaz de sangue e ardor
Que penetra na espinha sem pedir permissão
Neste gélido amanhecer de rochas e céus em chamas
Tomo um longo gole de dor e coragem
Sem receio de voltar atrás
Na agonia de ser quem eu sou
Estes olhos em declínio crescente
São olhos nascidos da fúria
Sequelas do ocaso perpétuo
Imutáveis em sua própria condição
São olhos negros de lobo
Impassíveis em seu próprio breu
Sentinelas do silêncio que se aproxima