Minha velha terra (Mairiporã, retrato da Cantareira moderna)
Hoje os dias que passam aqui não são mais os mesmos
Hoje a mata que nasce
Cresce condenada
Morre queimada, derrubada e esquecida.
Hoje quem atravessa a bela serra
Em caminhões e rastros de lixo
Não nota o quanto é velha, e o quanto é única.
Sequer nota também o quanto ela sofre
Quem aqui mora, aqui não vive.
E não se importa
A natureza tão bela
Permanece fechada por uma janela
Escondida atrás de São Paulo
A serra sobe uma muralha. A última defesa do verde
De onde desce esgoto e descaso
Para onde sobem casas e mais casas
A mata atlântica pede um basta silencioso
Agoniza por paz sem poder gritar
A cidade sobe sem pensar
Invade vales e seca rios
A humanidade segue a vida
Sem imaginar que logo vai pagar pelos seus atos
A velha cidade fica largada ao lixo e ao abandono
Os belos locais ficam jogados sem interesse
A rodovia corta o pobre coração em dois
E faz sangrar fumaça, arrastando em suas beiras a miséria.
A população vive
Em uma ilusão sem graça
De que tudo será pra sempre
De que cada árvore ou gota d’água sempre estarão lá
Mas não é assim, nunca foi nem será assim.
A Cantareira está morrendo
Suas cidades estão cada vez mais fervendo
De desigualdade. De desinteresse
A população não nota a sombra subindo
A metrópole invadindo a serra
Que não pode se defender sozinha
Logo os dias vão passar mais rápidos
E será demasiado tarde para alguém se arrepender
E ouvir o grito de dor da vida que queima e morre
Das oportunidades perdidas de perceber que
Não haverá mais lar para voltar
Ninguém vai mais ouvir nem sentir mais nada
Eternamente anestesiados pelos próprios gritos de socorro
Cadê a água? Cadê os vales verdes? Cadê a vida de todos nós?