Desarranjo Social A dor no peito não é saudade, Nem desassossego que pretendia. Foi o ocorrido que invadiu outro dia E cravou uma seta no peito, Deus de todos, que agonia. O cachorro guenzo a rasgar o lixo, Meninos barrigudos sentados nas pontes. A mulher com as tetas de fora a amamentar a sorte, Ancas largas a ocupar as portas da morte. Bebês alugados são crianças no escuro. Um quadro que é uma mancha no futuro. Buraco negro na consciência do descaso. Ninguém quer ver o quanto se está defasado. Meninos das favelas próximos aos condomínios, Passam a discursar: moça, moça jogue um pão, Uma roupa velha, algo que não queira. A dor vem bem fininha se aloja no coração, Intala no gogumilo e dá um nó na intenção. Meninas dançam nos semáfaros, Sentam, descansam dos seus trabalhos. A dor aumenta, se localiza na barriga, Fica nas tripas, e não mata a fome sentida. Quer ver a dor aumentar de apertar a razão, É ver os meninos nas grandes rodovias Fechar os buracos com as pequenas mãos. O jogo de interesse por trás das fantasias Não quer saber nada da miséria que se cria. Até hoje a revolta estrangula o tédio Ao ligar a televisão e ouvir o documentário Trabalho escravo, preconceito de cor. Falam de reformas mas só vemos horror. Quer ver rasgar de vez o ego, o brilho nosso? É levar um filho a sofrer com uma torção Nos hospitais da cidade e não ter atenção, Não tem vagas, nem médicos, nem bom senso. Nem tão pouco atendimento são. Se vai pra lá, se vai pra acolá sedento. Viaja-se a cidade inteira a gastar economias Pra depois do sofrimento de vários dias, Um lhe dar o benefício do tal procedimento.