Bojador Forçado
África Mãe
Choraram teus filhos à beira do Atlântico
À lembrança do luar de Ouidah
Embarcados na infinita noite
Nas caravelas de Caronte ao mar
Bojador forçado pelo açoite
Para nunca mais ao lar retornar
Adeus aos rios da infância
Adeus às montanhas
Aos baobás, adeus
E Deus?
Forçados
Despatriados
Desterrados
Desnomeados
Angola, Mocambique
Mina, Guiné
Caminhos sem volta
Ida sem mensageiros
À Terra de Santa Cruz
Constelações de navegados
Pelo mar da dor
Brasil saqueador
Senhor de engenhos
Brasil de dor
Senhor de senzalas
Brasil feitor
Capitão do mato
Brasil usurpador
Da fé
Do som
Da cor
Furtada brasilidade
Roubou num navio negreiro
Minha identidade
Chicotes nas costas
Na alma, liberdade
No peito, compassado lundu
Insurreito cativo
Palmares altivo
Cabano guerreiro
Malê revolto
Correnteza indominável
Contra as correntes dos tempos
Fluidos como água
Que brota das nascentes
Leves como música
Que valsa no ar dos terreiros
Do banzo ao banzeiro
Benim brasileiro
Gameleira cingida de fitas
Jóias Iorubás
Diamantes de Yemanjá
De guerra e trovão
De paz e luz
Em vermelho e branco
Kao Kabisilê Xango
Pelas matas de Aruanda
Do Níger ao Negro
Tudo é preto
Ao som do tambor de Luanda
A saudade que batucou em meu peito
Explodiu em danças de deuses
E dos congás de chão batido
Pulsou o primeiro
Repique dos bumbás das selvas
O pandeiro do samba ao mar
O atabaque do maracatu de Chico
O agogô das rodas ao luar
Vibrando na corda solitária do berimbau
Tecendo os confins do universo
Meu irmão de cor
Se hoje canto forte
É porque minha arte
É fonte de vida
Ri da face da morte
Cantando as labaredas da revolução
Meu berço é teu sol
Sou teu som e tuas estrelas
Meu canto é brisa marinha
Que consola teu litoral
Sou Iorubá
Compasso de festa
Tambor de mina
Filho de orixás
Suor ancestral
Sangue da terra
De tez divinal
Chamam-me negro
Sou mesmo preto
Chamem-me África