Olho ao rato sob a língua urbana
A espera do verso
rejubila-nos na constatação
de uma poesia venal
que se espatifa
no concreto intestinal
de um viaduto das grandes cidades:
O mendigo já esquecera
entre seus cabelos besuntados
de graxa e chuva imemorial
o nome coerente
de pia batismal e família.
Mais um dia se acumulará
na sua existência de esquecido verme
e nada importa.
O mendigo se diz digno
em sua condição
de estatística de benevolentes ocasionais,
ou mais nobremente,
na atenção que os políticos,
polidos guardiões,
em pleno pleito eleitoral
lhes dirigem em suas perambulâncias nada esportivas.
O presidente que quer mais quatro anos,
tinha a cara branca dos justos
e como estava sincronizado,
visão de abelha,
naquelas lojas de televisão
em que o mendigo sempre parava,
autômato,
depois do café frugal
de restos do Mc Donald’s
e do álcool providencial,
sem goles aos santos
ou alhures.
O mais tocante, porém,
digo sem falsos
arroubos de piedade,
está na caridade inata
dos eleitos pela Desgraça.
O mendigo não se faz
de mesquinho no extremo
de dividir o que possui:
arranca seu olho letárgico,
um tanto injetado é verdade,
e serve para seu rato de estimação
uma suculenta refeição
à sombra do viaduto,
que treme com os carrosséis de lata
zunindo mais trepidantemente na hora do rush.