Olho ao rato sob a língua urbana

A espera do verso

rejubila-nos na constatação

de uma poesia venal

que se espatifa

no concreto intestinal

de um viaduto das grandes cidades:

O mendigo já esquecera

entre seus cabelos besuntados

de graxa e chuva imemorial

o nome coerente

de pia batismal e família.

Mais um dia se acumulará

na sua existência de esquecido verme

e nada importa.

O mendigo se diz digno

em sua condição

de estatística de benevolentes ocasionais,

ou mais nobremente,

na atenção que os políticos,

polidos guardiões,

em pleno pleito eleitoral

lhes dirigem em suas perambulâncias nada esportivas.

O presidente que quer mais quatro anos,

tinha a cara branca dos justos

e como estava sincronizado,

visão de abelha,

naquelas lojas de televisão

em que o mendigo sempre parava,

autômato,

depois do café frugal

de restos do Mc Donald’s

e do álcool providencial,

sem goles aos santos

ou alhures.

O mais tocante, porém,

digo sem falsos

arroubos de piedade,

está na caridade inata

dos eleitos pela Desgraça.

O mendigo não se faz

de mesquinho no extremo

de dividir o que possui:

arranca seu olho letárgico,

um tanto injetado é verdade,

e serve para seu rato de estimação

uma suculenta refeição

à sombra do viaduto,

que treme com os carrosséis de lata

zunindo mais trepidantemente na hora do rush.

Gleidson Riff
Enviado por Gleidson Riff em 01/02/2020
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