AUSCHWITZ, SESSENTA ANOS DEPOIS

AUSCHWITZ, SESSENTA ANOS DEPOIS

A guerra solta a besta que há no homem...

Tortura, queima, mata, ele faz tudo!

Instintos que detém e não se somem

E deixa de ter de homem, conteúdo

Os crimes hediondos que pratica

Em situações de guerra eles são tais

Que o atributo de “homem” mal lhe fica

E nem isso se vê nos animais!

Auschwitz foi a Fábrica da Morte

Da vergonha, horrores, e maldade

Há pouco visitei... comoção forte

Sucedeu ao ver tanta crueldade!

Visita terminada, todos mudos

Pela constatação de tal “façanha”

E até ao fim do dia assim sisudos

Na dor permanecemos, por tamanha!

Em condições (eu disse “condições?”)

Que por inenarráveis nem me atrevo

A explicar como um ou dois milhões

Ali tiveram morte... Não, não devo!

Apenas vos direi... e vagamente

— Chegavam os comboios à estação

E sob escolta forte e permanente

Entravam - e havia a separação

P’rá esquerda os que morriam desde logo

Velhos ou crianças num “tanto faz”

A ideia era matá-los, dar-lhes fogo

Que só assim tais bestas tinham paz

As filas se formavam, lá seguiam

Inspecção médica já logo ao pé

Saída, muitos por certo sabiam

Só havia uma porta: a chaminé

À direita ficavam os mais fortes

Com força pró trabalho, os que podiam

Porém eram tão fracas suas sortes

Pouco mais de dois meses resistiam

Comida, uma ração. Ração aquilo?

Inda hoje lá se vê a gamelita

Que daria talvez para um esquilo

O resto, emagrecer... tanta fomita!

Dormir? Uns sobre os outros, tanta vez!

Que o espaço era tão curto para tantos

Pois quem coisas daquelas assim fez

Não era dado a dores nem a prantos

Trabalho? Quinze horas era a média

Às vezes mais de vinte, até cair!

O que importava às bestas a tragédia

Se a morte assim fazia divertir?

E quando já mais fracos, era a “sala”

(Se de “bulir” não se era mais capaz...)

Era meter lá dentro e apinhá-la

Matá-los “docemente” pelo gás

A monte para os fornos lá seguiam

Queimados... a saída, a chaminé

E as bestas a olhar se divertiam

Em riso contundente ali ao pé

E agora inda lá vi, que estão expostas

As coisas pessoais, tudo em bom estado

Nomes, números, malas que às costas

Levavam roupas, junto do calçado

Escovas, espelhos, outros objectos

Que acompanharam sua triste sorte

Nas longas “excursões”, nesses trajectos

Rumo a essa tão dura e cruel morte!

Chorei ao ver ali tanto despojo

Recordando os seus donos. Afinal

São crimes que nos metem tanto nojo

E que arrepios nos dão por tanto mal

Auschwitz! Vergonha em nossa História

Que há quem diga que nunca se repete

Auschwitz! Campo de tão má memória

Que nojo e vergonha que nos mete!

Será que nunca mais? Oxalá seja!

Que a memória dos homens, essa emperra

Continuam a dar-nos de bandeja

Os incríveis cenários de mais guerra.

Joaquim Sustelo

(em NO SILÊNCIO DO TEMPO)

Joaquim Sustelo
Enviado por Joaquim Sustelo em 30/08/2007
Código do texto: T630822