Na Margem
Eu vivo no canto esquecido
Inundado de ideias, perdido em delírios
Eu vivo na noite escondida
Na periferia dos sonhos, em sigilo profundo
Eu corro nas margens do mundo
Onde o dia é mais quente e a noite mais escura
Eu sigo uma voz que clama por atenção
Na quebrada dos poucos segundos restantes
Eu enxergo com os olhos de quem não enxerga mais
A beleza das coisas que se vão
Retalhos de terra, tijolo e barbante
Onde o muito pertence a poucos
E onde aos poucos me perco no meio dos muitos
Sem direção ou razão
Sentado numa esquina distante
Diante de uma vizinhança qualquer
De onde quem olha só enxerga a si mesmo
Nas noites de calor sufocante
Eu cruzo as estradas de ferro,
as escadarias de luz e de sombra
Lapsos de consciência e memória
Eu cruzo a várzea oscilante, o comércio dormente
O viaduto que descansa sombrio
E eu ainda estou aqui
Procurando por alguém no horizonte
Tentando ouvir as vozes que riem
Do outro da ponte
Não há ninguém que enxergue além da margem
Deste lado da cerca de sangue e silêncio
Somos apenas muitos
À deriva dos anseios de alguns
Não há nada neste lugar além de nós
Vozes roucas, retratos que ninguém quer ouvir
As luzes se apagam
E nós ainda estamos aqui