Um lugar melhor

Tudo vai melhorar

É o que dizem as velhas histórias

Tudo vai melhorar

É o canto dos idealistas

Que incitam os desiludidos a acreditar

Nessa melhora genérica e atemporal

Não conheço o passado

Senão através de lentes e pergaminhos

Mas o presente eu vi

E julgo com meus próprios olhos

E pensar sobre suas perspectivas

Me dói fundo na carne

Porque nada está ficando melhor

Porque nada se está construindo

Os velhos estão ficando mais velhos

Mas não estão ficando mais sábios

Perdem-se falando do passado com uma nostalgia pouco cativante

E sonhando com sua última e eterna soneca

Em seu colchão marrom coberto de flores

Com um pesado e frio cobertor de mármore

E as crianças estão crescendo rápido demais

Tolamente sonhando em tornar-se logo adultos

Para fazerem uso do poder que seus pais as fizeram acreditar que têm

Ao dar a elas toda a confiança

Que nunca foram capazes de depositar em si mesmos

Projetam nelas todos os sonhos que não realizaram

E querem vê-las onipotentes, fortes, conquistadoras

Mas, colateralmente, desrespeitosas e amorais

Desejosas de todos os direitos possuir

Porém nunca dispostas a qualquer coisa em troca oferecer

E todos querem fazer do próprio umbigo um lugar melhor

Ninguém olha além do próprio mundo limitado

A não ser que todos os recursos do perímetro sejam consumidos

E o mundo do vizinho subitamente mostre-se atraente para uma anexação

Porque não há problema em varrer as migalhas que caem por aí

Desde que com elas possa fazer meu próprio jantar

E todos querem fazer a própria voz oprimida ser ouvida

Todos podem falar o que quiser,

Temos liberdade de expressão!

Mas não ouse acreditar em nada forte demais

Ou vão chamá-lo de fanático

E jogá-lo aos leões

Todo mundo ama um meio termo passivo e sorridente

Todo mundo ama quem concorda em discordar um pouco de tudo

Mas quem se importa com o mundo lá fora?

Aqui dentro está quente

Tenho algumas cervejas, comida farta, pensamentos rasos e vários litros de escapismo destilado

A dor lá de fora não me atinge

Porque fomos ensinados a ir perdendo a sensibilidade aos poucos

Quem se importa com o mundo lá fora?

Se eu morrer hoje e for para o inferno

Encontrarei meus semelhantes

E continuaremos nossas conversas boêmias e filosóficas

Quem se importa com o mundo lá fora?

Afinal, estão todos ocupados

Tentando fazer do próprio umbigo um lugar melhor...