Estação Portão*

chega o fim do dia

puxam-se os tapetes para dentro

olha-se para fora em busca do diferente

mas não passa mais o trem aqui

fecham-se as portas dos estabelecimentos

logo chegará alguém pedindo alguns segundos mais para comprar a janta

tiram-se as cadeiras da calçada para dentro das residências

limpam-se as cuias de chimarrão no canto da horta, adubo

é hora do jornal

os curtumes aproveitam a escuridão e abrem a válvula da poluição

à noite se esconde

os comerciantes da noite se aprochegam na praça

a noite esconde

vai um baseado, amigo?

há quem aceite

e não por isso deixará de frequentar no dia seguinte

os lugares que todo o resto frequenta

trabalhador, maconheiro, político, ladrão

trabalhador maconheiro, político ladrão

é hora do jornal

de sentar no sofá velho torto de peso

junto ao resto da família

quem não cabe fica numa cadeira

contam-se causos

informação passada de pessoa a pessoa

numa velocidade que o jornal semanal não alcança

depois da novela não demorará

para que se encha o saco com os programas de humor

cada um prum lado da cama

à rua, se saciará a sede dos amantes

e a vontade de morrer dos drogados será adiada

é hora de dormir

* bairro onde resido (Portão-RS) - poema feito para retratá-lo