UM HOMEM MORRE DE FRIO

"E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que quando

o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a Mim o fizestes."

Mateus 25:40

Nos braços de Morfeu queda a cidade.

Gélida avança a noite sob o vento

Que zune açoites, bravio.

Por leito e barricada andrajos tendo,

Num canto, ao pé de arranha-céu imenso,

Um homem morre de frio...

Agonizando, ali, talvez delire,

Vendo os pedestres últimos, em busca

Do leito morno, macio...

Talvez, sinta-se um deles, por momentos...

Um homem desses, livres das algemas

Do destino. Ah, desvario!...

Morre indigente. Já não mais lhe ocorrem

Reminiscências de melhores dias.

Não tem mais traços de brio.

Distantes sons de uma boate em festa

A custo põe-se a ouvir. Perdem-se, agora,

no seu imenso vazio...

Nem todos dormem. Ornam-se de luzes

Os altos edifícios. E eis, um carro

Pára junto ao meio-fio.

Traz de Mammon uns súditos restantes

Que, indiferentes, tiritando e rindo,

Vão-se com seu vozerio...

Ensaia erguer-se; embalde, embalde tenta...

Thanatos já, movendo as longas asas,

O envolve, terno e sombrio.

À volta, entre as paredes, que ironia:

Há tantos indivíduos que se abraçam

E tanto leito vazio!

Bem cedo hão de encontrar-lhe o corpo, inerte.

Hão de exprobrar-se, por negar-lhe auxílio,

num gesto inóquo, tardio...

Talvez, alma remida, ao sol do Além planando,

Não mais proscrita, logo exulte e louve

O Averno da crosta, frio...

“- Coitado!”... “- Oh, que infeliz!"... “- Quem era ele?"

“- Um ébrio, com certeza". “- Um andarilho."

“- Um réu, talvez, arredio"...

Descerrem seus portais, guardiões do Inferno!

Estendam o seu fogo ao mundo infrene!

Um homem morre de frio...