LAMENTAÇÕES DO VELHO CHICO
(Este poema vem dos idos de 70. Está publicado no livro BRADOS DO SERTÃO. A iniciativa empresarial já oferece alguma coisa em termos de irrigação. Ação de Poder Público para o pequeno agricultor nada. No dia em que se transpuzer a água do Tocantís para as cabeiras do São Francisco, aí sim, ver-se-á o começo da rdenção do Nordeste. O começo!
"Não acham meio
de governar
este sertão,
depois nos dizem
que a terra é pobre,
só tem areia...
Mas que provam
A irrigação!”
Deocleciano Martins de Oliveira
- Gritar, eu grito,
há muitos séculos,
não adianta.
Vezes reclamo,
vezes lamento.
Ninguém me ouve.
Nem o Estado,
nem a Nação.
Meio dia, sol a pino,
o suor queimando os olhos.
Verdade ou alucinação?...
Enquanto lança a tarrafa,
passa um gigante aos seus pés,
a gemer lamentações:
- De onde vens?
- Venho das Minas Gerais.
- Aonde vais?
- Sigo em procura do mar.
- Que fazes por onde passas?
- Abro a estrada
que dá acesso ao sertão.
- E que mais?
- Eu molho o chão.
- Dou água, dou energia,
prosperidade ao Nordeste.
Nas terras por onde passo,
vem comigo a plantação.
Gente gemendo na enxada,
planta a terra abençoada,
de onde o suor tira o pão.
Há cana, arroz e batata,
mandioca, milho e feijão;
há jerimum, melancia,
cebola, uva e melão;
há pinha, há gergelim,
há tomate, amendoim,
lima, laranja e limão.
Agora plantam o trigo...
Podem plantar, que eu garanto
a auto-suficiência
do Brasil nestas Barrancas.
- Teu nome?
- Sou o Rio São Francisco.
Me chamam de Velho Chico.
Podes usar o apelido,
soa bem ao meu ouvido
o tratamento afetivo
que me dão os que me amam.
Nas terras por onde passo,
A cinco estados abraço,
a cinco Estados dou a mão.
Minas Gerais e Bahia
Alagoas, Pernambuco
e o pequenino Sergipe,
tudo é meu, tudo é irmão.
- Velho Chico?!
Ah! o Velho Chico meu pai!
Sou o pescador ribeirinho
que se sustenta do rio.
Não me conheces?
Sou teu filho, Velho Chico.
- Podes chama-me de pai
e podes chamar de irmão.
Contigo tenho sofrido,
contigo tenho gemido
por séculos de aflição.
O caboclo sertanejo
que me arranca das entranhas
o seu minguado sustento;
o que planta o seu roçado,
tirando duro, suado,
a sua vida do solo;
aquele que leva o barco,
vara no peito, encurvado,
gemendo ao peso das águas:
são filhos do Velho Chico
ou podem ser seus irmãos.
- Quanto tempo, Velho Chico,
gemes a nossa aflição?
- Milênios em procissão.
Primeiro, somente a terra,
somente o áspero chão.
Depois o índio selvagem,
de bodoque, de arco e flexa,
plantando na beira-rio,
ou pescando simplesmente,
rio a cima e rio abaixo.
E veio mais tarde o branco,
trazendo um negro no flanco
para o entrechoque das raças.
Houve sangue, dura lida.
E o cruzamento em seguida
pôs três povos lado a lado,
na luta da subvida.
Nasceu por fim o caboclo,
para sofrer como os pais.
- Meu Velho Chico, e as barragens?
- Veio um dia Paulo Afonso,
trouxe a CHESF e a ELETROBRÁS.
A minha força energética
já anda por nove Estados,
impulsionando o progresso
deste Nordeste sofrido.
Me chamam de o Grande Rio
da Unidade Nacional.
Mas dói ver que estas barrancas
por onde ando há milênios,
gemem comigo a aflição
de não ter nenhum proveito
da força que produzimos.
- E então?
- Vou seguindo para o mar,
a exibir, rangindo os dentes,
a minha velha carranca.
Tormentos multiplicados
vou gritando nos caminhos,
a espantar negras visagens
de passados milenares.
Há pouco foi Moxotó,
vem agora Sobradinho,
logo mais Itaparica
a inundar as minhas terras,
as cidades de meu povo.
Vão usar a minha fibra,
produzir mais energia,
erguer torres, puxar fios,
para que a indústria mais cresça
por terras sempre mais longes.
- E os que são prejudicados?
- O meu barranco oferece,
sem ter jamais recompensa.
Tiram meus filhos da terra,
empurram para as distâncias.
Por compensar os que ficam,
podem lhes dar umas lâmpadas...
E não sei mais que darão!
- E a irrigação!
- Não fales de irrigação,
que já não creio mais nisso.
As águas dessas barragens
que engolem os nossos filhos,
já disse a CHESF – só chegam
para mover as turbinas,
não sobra um pouco que possa
nos servir à irrigação.
"Depois nos dizem
que a terra é pobre,
só tem areia"...
- Meu Velho Chico, perdão.
Se me desculpas,
eu teimo e grito
com o meu irmão
Deocleciano,
forte e bem alto:
"Mas que promovam
a irrigação!"
- Gritar, eu grito,
há muitos séculos,
não adianta.
Vezes reclamo,
vezes lamento.
Ninguém me ouve.
Nem o Estado,
nem a Nação.
" Não acham meio
de governar
este sertão,
depois nos dizem
que a terra é pobre,
só tem areia"...
- "Mas que promovam
a irrigação”!
Vão ver que a terra
reverte em rica
se for molhada,
faz-se em fortuna
para o Brasil.
- Ah, se promovem
a irrigação!
Vão ver que a terra
reverte em rica
se for molhada,
faz-se em fortuna
para o Brasil.