ENCHENTE
ENCHENTE
A chuva morna garoa nas letras em anarquia
O calor golfa teu hálito do solo fumaçado
Da minha cútis corre o líquido da fantasia
Ensopa o papel onde a caneta não faz seu traçado.
Estou surpreendentemente sereno
E do meu ponto de lotação,...
Vejo desesperos em profusão
Alagando-se por todo o terreno.
Vagarosamente um rio vai nascendo
A corredeira vai se fortalecendo
E eu, vou me esquecendo,...
Da paz que antes habitava este concreto veneno.
Mataram a terra, impermeabilizaram as vias...
Construíram nossas avarias
Destruíram nossas ferrovias
Nem mais ouço o canto das cotovias.
Autos perambulares trafegam flutuantes
Cometemos erros flagrantes.
Nossos lixos ilustram humanos em dejetos
Nos bueiros, há todos os tipos de objetos.
Os governos simplesmente governam para sua gente
Os pais não têm tempo para educar a sua semente
A tevê sensacionalista quer o recorde do ibope
No congresso todos brigam por gorjeta em envelope.
Há um descaso freqüente pela catástrofe iminente
Ano após anos contabilizamos nossos danos
E o contribuinte vira pedinte,...
De uma obrigação que é dever do Estado à população.
Não posso sair de onde estou
A inspiração não vai aonde eu vou
Preciso terminar o que comecei
Pouco me importa se me molhei
A enchente? Que comigo seja paciente
Pois sou inocente,...
Sou um apto eloqüente
Escrevendo a desgraça
De uma extinta raça.
CHICO DE ARRUDA.