FILHO DESEJADO

FILHO DESEJADO

... Minha memória

Eu,... Não entendia...

Porque aquela gente toda

De branco

Sorria enquanto eu chorava.

Descobri com muito sofrimento

Que fui descoberto em uma lixeira.

Jogado feito papel ao vento

Enrolado com minha mamadeira

Fui achado sem nenhum movimento.

Numa UTI, acordei em choradeira.

Morei,...

Seguindo de orfanato em orfanato

Meu corpo, por muitos estuprado

Cansado de ser espancado

Fuji para o meio do mato.

Perambulei vida afora

Vivi, nas ruas, minha escola

Encontrei inúmeras famílias de outrora

Dormi, espremido, feito pão em sacola.

Não compreendia

Porque ninguém me queria.

Não aprendi a fumar

Nem me alcoolizar

Tão pouco conseguia roubar

Ficava acordado sem me drogar.

Vendia balas em sinais

Por isso, nas ruas

Só tinha rivais.

Não sabia rezar

Mas implorava para qualquer Deus

Proteger-me.

Pedia para não me deixar pecar

Ora se sou um dos seus

Porque tanto sofrer.

Um dia, sem esperança

Sujo, cansado, rasgado

Esfomeado e largado

Percebi que não era mais criança.

Resolvi tudo terminar

Com comprimidos e água raz.

No mesmo beco, na mesma lixeira

De quatorze anos atrás.

Tapei a boca para não vomitar.

Re-acordei socorrido em um bar.

Uma mulher, Maria

Afagava-me, e comigo chorava.

Um homem gordo, José

Adotou-me sem pestanejar

Disseram-me que eu era uma dádiva de Deus

E me ensinaram a rezar.

Minha mãe de cinco filhas

Pôs-me a estudar.

De manhã, escola

À tarde...

Curso para me profissionalizar

De noite...

Os ajudava no bar.

Varria...

Copos e pratos lavavam

Entregava marmitas

Fechava marmitex

Sorria

... Olhando minha mãe cozinhar.

Meu pai, de poucas palavras

Trabalhou duro

Para suas filhas formar.

Em retribuição, as doutoras

Têm vergonha do bar.

Casaram

E não deixam os netos

Aos avôs visitar.

Sem mais poder suportar

Escondia sua tristeza

Engolia sem reclamar

Foi num infarto com certeza

Que Deus veio lhe chamar.

O homem

Que só conjugava o verbo trabalhar

Mesmo ocupado

Nunca deixou de me amar.

Graças a esse homem

Sou um negro diplomata.

Formado

Pela Barão de Rio Branco.

Com meu pai no coração

Transito em embaixadas

Carrego seu bom exemplo

Em minhas jornadas.

Minhas irmãs

Todas separadas

Confiaram-me seus filhos

Para terminar de educar.

Com minha mãe

Vivem comigo

Em nosso lar.

Amam a avó,... A ex-dona do bar

E que devota agora...

... Carinhos a uma prole sem par.

Não me casei

De tantas pancadas que levei

Foi inviável ser pai

Meus filhos adotei

Nenhum de mim se vai

Não sem antes

Aprender o que sei.

Falo fluentemente

Alguns idiomas.

A todos os paises que vou

Tento ensina-los pacientemente

Transformando-os em rizomas

Para que frutifiquem no dialeto do amor.

A lixeira não mais esta lá

Para que de outras crianças

Não se faça habitat.

Que em cada mãe nasça...

... O exemplo de Maria.

Ainda hoje existe o bar

Construí uma fundação.

Prego a paz em todo lugar.

Perdôo quem não me quis.

Acalento que um dia esse chão

... Tornar-se-á matriz.

... Tudo que possuis não são seus

Somos todos... Servos de Deus

Hoje sei rezar, todas as rezas.

Chamam-me Jesus dos Anjos

Filho único de José e Maria.

CHICO DE ARRUDA.

CHICO BEZERRA
Enviado por CHICO BEZERRA em 05/08/2011
Código do texto: T3141664
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