PODER
Como pode, tão ingênuo e criança, sentado no banco azulado do transporte metade sujo metade escuro, com as perninhas a balançar, a ler qualquer coisa de qualquer placa, porque aprendera a ler semana passada, já saber que as coisas não só existem, mas precisam ser compradas.
Como pode, tão mocinho e amarelo, já doer o coração por não ter pra si o chaveirinho do homem de ferro.
Como pode, pequeno assim, tão espoleta, corre pelo ônibus, equilibra-se como numa prancha de surf, ouve uns gritos e aquieta-se, querer o sorvete mais caro sem o desejo pelo sabor, mas pela maleta.
Como pode, tão bobo e questionador, rei do seu próprio mundo e das suas aventuras o desbravador, pedir com insistência tudo aquilo que julga de valor.
Como pode, querer o nível acima, de alguma forma que não sabemos, de uma forma que nos entristecemos, querer ter o que crianças não pedem, ou antes não pediam, como o poder de apenas ter.
Como pode, tão novo, sem experiência, já ter em sua mente a maldita ciência de tudo aquilo que mata, corrói, desalimenta, destrói e tormenta o coração humano, que num simples poder e querer, desumaniza-se e torna-se mais algum odioso aspecto do nosso ser.