confissão

quando criança sonhava em poder assistir

à diva nua no escurinho do cinema

quando o sonho enfim se quebrou

nas pedras de ruas tortas

e no asfalto de tantas estradas mortas

descobri o que sou

e de mim não tive pena

resta o sonho sempre

mesmo agora quando espero

que se recupere o meu juízo

e que sábio o velho de outrora

seja hoje o menino

que sonhava por pernas nuas

não tenho medo do que ainda me resta

desde que a vida me mostrou

que tudo o que me disseram não presta

se o sonho que ainda sonho se afogou

não importa o tempo de estrada

porque tudo o que ficou

resume-se a uma dor antiga

por uma pedrada que um dia

acertou um bem-te-vi

e tudo o que sou se resume a consertar

todas as dores que infligi

não só calando o pássaro da mangueira

mas principalmente calando em mim

a voz da vida sem eira nem beira

que - eu mesmo jurei para mim -

um dia eu teria

sei no entanto que tudo o que a vida dá

a estrada come

e tanto aqui como acolá

no mundo do sonho ou da razão

todos os homens querem que se tome

a vida pelo cabresto

como os bois no carro a gemer

e se o menino se encantava no cinema

com as pernas de uma loira qualquer

não vai ser esse novo jovem que teima

em tomar a voz da razão pela voz do voo

que irá reconstruir caminhos que não trilhei

porque ainda que o sonho venha em trapos rotos

tenho ainda e sempre por tudo o que do mundo arrastei

a força profana de uma floresta de brotos

2.2.2014