CARTA CORAÇÃO

Nas pontas  dos dedos
as contas do rosário fizeram covinhas
como na face das crianças pequeninas
quando sonham com os anjos...

Há meio século que o filho partira 
p’ra tão longe...

Todos os outros que foram seus
e lhe encheram a casa e o coração,
sairam, também um dia
p’ra não mais voltar...

Mirrada de saudades,
a velhinha, encarquilhada e benta
vai ter com a senhora Perpétua.

—Senhora vizinha,
escreva uma carta p’r’a América.

Preparados papel e pena
foi-lhe perguntando:

—O que quer mandar dizer?

Então a velhinha,
com pureza cristalina no olhar infantil,
ditou:

                      —Auerido filho:
“Saudades... e aquelas...
Se o mar fosse atalho... Avé Maria!!!”
                   Luis de Serpa


NOITE DE NATAL

No casinhoto humilde da serra
Nem sombra de braseiro crepita na lareira...
São tão pobresinhos
Que dali todo o conforto se desterra...

Nesta noite de Jesus
Deitatam-se com o Sol,
Pois a candeia não tem luz...

Já tudo dorme.
Só a pobre mãe velhinha ainda vela,
Sentada junto da janela
 lotada ao Ocidente...

Pde à Virgem que lhe traga o filho
Que partiu há muitos anos,
Há tantos anos
Para a América.

Virgam Mãe:
—Pela teu filho querido que hoje nasceu
Dá-me também o meu...

E as contas do Rosário,
Desfiadas
Pelas mãos velhinhas, bentas, encarquilhadas,
Vão passando lentamente...

..........

Sobre o telhado do casebre vizinho,
Vibrantemente,
O galo anuncia a meia-noite.

Abre-se a porta de mansinho,
E alguém entrou...
Levanta-se a velhinha
E mesmo no escuro,
Apenas alumiada pela luz do se amor,
Abraça a figura que chegou...

—Meu filho, meu querido filho...
—Minha mãe — ouve ele responder com voz velada...

Toda a casa fdorme...

Só os dois abraçados com ternura,
Soluçam a ventura
E a alegria enorme
Da chegada. 
               Luis de Serpa

ESPERA

Dos jornais:
"Desde a última guerra, numa estação de caminhos de ferro duma cidade a..., aparecia todas as manhãs á espera do comboio  uma senhora já de idade, a esperar o filho que partira para a gurr     erra."

Ao passarem os soldados ara a guerra
a pobre mãe soltou um grito doloroso...

Um homem cinzento e mau,
com tiras amarelas nas mangas do casaco,
veio roubar-lhe o filinho dos braços...

E assim lhe levaram o seu menino
(ficou sempe sendo o seu menino
desde que nasceu
e perdeu
todos os outros)

Sozinha não podria viver...
Mas ela sabe bem
que o filho há-de voltar,
pois tem pedido à Virgem Mãe
p´ra lho trazer...

A terra, o ar, o sol, o universo
tudo fora criado para ele,
só para os dois,
pois nada mais exisia neste mundo!

Todos os dias de manhãzinha,
à chegada do comboio,
a velinha já quase octoenaria
aparecia ali na estação
à espera do comboio.
               Luis de Serpa
       Flores, Junho-50

CARTA DESABAFO

MARIA


Longe de ti, querida Maria, 
sinto-me tão sozinho,
tão abandonado e incompreendido.

P´ra mitigar esta saudade,
tão pungente,
dou largas ao meu sentimento
e faço os meus versos,
os meus poemas.
sempre a pensar em ti...

Mas ninguem me comprende...

Dizem que os meus versos
não são versos,
porque lhes falta rima,
métrica e não sei que mais...

Como entristece e dói
querida Maria,
toda esta pobreza de sensibilidade.

Se eu não conhecesse a miséria
destes pobrezinhos
de alturas,
se eu não soubesse
como se encontram embotaods
pelo egoismo vil
da materialidade,
eu lhes perguntaria
pela métrica das nuvens lindas
que formam o firmamento,
pela rima de cor
das flores garridas
que esmaltam as campinas,
pela simetria das estrofes divinas
do Poema Eterno
de toda a Criação!!!

Mas eu não lhes pergunto nada
porque sei que a resposta
tornaria ainda mais funda
e triste,
a minha solidão.

Fico hoje por aqui.

Com saudades,
cada vez mais vivas
beija as tuas mãos,
as tuas lindas mãos
que tantas vezes refrescaram
minha fronte sismadora
e escaldante,
e a tua boca
que tanto bálsamo
entornou nesta inquietude.
O teu
          do coração
                              Luis de Serpa

(Flores 951)

PINCELADAS DE ALMA

Já passaram tantos anos
e tantas tempestades
sobre o tempo em que o nosso céu
era todo azul
e não conhecia nuvens...

Na mina fronte, as brancas vão srgindo
as rugas na minha face
e no meu coração assentou o desespero...

mas p´ra que tudo não seja inferno para mim,
nas noites calmas é-me permitido
sonhar contigo.

Volto então a ver-te sempre a mesma,
sempre menina e moça
a envolver-me
naquela ternura e suavidade
do teu olhar divino.. 

     Flores, Junho 51

               Luis de Serpa


MISSÃO DA VIRGEM MÃE

O criador dos Mundos, senhor dos Universos,
Vendo que era ultrajada a sua Lei
Sofreu ao ter de aplicar justiça!

Rios de sangue correram pelo mundo...
Ondas de fogo alastraram pela terra
Que ficou desolada e triste...

Enlouquecidos pelo poder do mal
Os homens transformaram o planeta
Num campo de lobos esfomeados!...

Milhões de mães aflitas, desvairadas
Pela angústia e pelo sofrimentpo
Pedem a Deus perdão, misericórdia!...

E as crianças atónitas, torturadas,
Interrogativamente,
Olham para o Céu!...

Ao ver tanto crime, tantqa dor, tanta inocência,
A virgem mãe chorou...

Acerca-se do Filho a Virgem Lacrimosa
E apntando p´ro chagado Peito
Implora:
Meu Filho , por estas sete espadas
Salva a Minha Terra
A Terra Portuguesa!
Em troca eu te prometo dos meus vassalos
Oração e penitência.

Sobre a face da Pátria Lusitana,
Poisou suavemente
Um beijo de sol, de paz e de alegria...

Agradecida., a Virgem Mãe
Desceu a este Vale de Lágriamas
E veio enxugar com maternal sorriso
O mar de prantos que alagou o mundo
A querer com a sua Divina Presneça
Suavisar corações gelados pela dor
E a exigir dos portugueses
O cumprimento do voto que fizera
A seu bendito Filho!

É esta a missão da Virgem Mãe
Rainha nossa
Que hoje nos visita!!!

Ano da Graça de Jesus Cristo,
Dia da visita da Imagem Peregrina
De Nossa Senhora de Fátima.

     Flores, 2 de3 Julho de 48
               Luis d Serpqa


NINHO DE AMOR

Ali no peitoril da janela do meu quarto
um pombo branco ficou a noite inteira...

............

Tinjam noivado
E do seu amor puríssimo
Nasceram dois rebentos...

............

Todo o santo dia o casal enamorado
transporta p´ros filhinhos,
nascidos num buraco da parede,
por cima dam janela do meu quarto,
os biscatezinhos com que os alimentam...

Mas o ninho é pequeno e estreito
não cabem lá os quatro...

A mãe aninha-se com os filhos.
E o pai, atento e amoroso,
fica toda a noite vigilante...
Não venha alguém quebrar o sono
e a quietude santa
do seu ninho dámor!!!...

Luiz de Serpa (24 de Junho de 1950)


O MEU MUNDO INTERIOR

Trago dentro em mim soetod burilados,
versos d´encantar, poemas cinzeladod,
canções de amor, nocturnos de ansiedade
e toda a poesia 
duma beleza sem par...

Há dentro de mim um Universo Inteiro
de Prazer e de Dor.
Vulcões frementes de aleria brava
e pelagos infindos de tormento enorme...

Risos de alvorada, auroras boreais,
abismos infinitos dum mal que não tem nome,
a tranqyulidade do justo, o sofrr do condenado,
o pipilar das aves, o arfar dos ninos,
a dor secreta e muda dos aminhos
pisados por ingratos, por ladrões e por perdidas,
o cantar das aguas, o gritar do vento
a vibração interior de todos os elementos
da natureza inteira,
o drtama dos infinitamente pequeno
--todo o seunamor todo, todo o seu odio, toda a sua vida,
a vida moleculat, a vibração do átomo,
tudo vive em mim..............................
.......................................................................
E até há dentro de mim um Mundo todo novo
que só eu criei e que ninguém conhece...
tod frito fr inquietude e de grandeza,
de Formas divinais de Beleza estrana
de Silhuetas vivas dum sono imaterial,
de movimento e cor jamais igualados...
Há a Perfeição absoluta que todo o genero umano
ainda n-ao pode criar....
................................................................................................................
Mas ao pegar na pena p´ra vazar no molde
da forma clássica, do ritmo cadenciado,
esta beleza Eterna qe no meu peito habita,
toda ela se transmuda num corpo disforme,
num ritus de mascara arregalada, repelente,
que fica a rir de mim...

DESILUSÃO

Meu lindo castelo roqueiro construido
Sobre ravinas floridas à beir-mar!
Como eras belo, altivo e orguljhoso
Fitanto ao longe o horizonte infinito!

Das tuas ameias esguias, airsas, elegantes,
Espreitavam ansiosas e hiantes,
As bocarras douradas e nervosas,
Dos canhões do meu amor...
E toda a artelharia do meu desejo,
Postada em linha heráldica impecável,
Assegurava, na máxima amplitude
Depoder e força
A realização plena
Da minha ambição inteira.

Na torrede menaem a castelã do meu amor
Fiavsa em rocas de ouro,
O linho, a lã e a seda 
Do nosso bragal futuro
.................................................................................

Meru lindo caselo roqueiro construido
Sobre ravina floridas à beira-mar:
Sobre ti passou
O vento, relulante, tenebroso e forte
Que soprando do quadrante norte,
Tudo desfez e arrazou...

Meu lindo castelo roqueiro construido
Sobre ravinas floridas à beira-mar:
No lugar onde te ergurste belo, altivo e orgulhoso,
Apenas hoje se encontra,
Entre verdura soluçante,
Um cravo rubro
A chorar minha saudade
A sangrar a minha dor...

     Luis De Serpa

ANSIEDADE ATLANTICA

Esta ansiedade, esta inquietude vibrante dentro em nós,
Nos corações ilheus,
É fila do Oceano que foi lavrado
P´las qilhas das nossas caravelas,
E abençoada pela Cruz de Cristo
A sangrar nas velas brancas de quinhentos...

Esta ansiedade, esta Inqietude Atlântica
Que nos traz cativos,
Escravos, acorrentados e submissos,
É filha da Solidão que iluminou o rumo
Dos nossos mareantes...

Esta ansiedade, esta inqietude-mor
Que noe impulsiona e atira
P´ro Eldorado que nos habita a alma
E a que o povo Aõrico
Chamou América,
É o sangue dos nossos Avós marinheiros
A correr nas nossas veias!!!!

          Luis de Serpa




Sob as ogivas d´ouro do meu palácio de marfim,
pela calada da noite,
vem sentar-se um cegino, mendigo esfarraado,
que passou a mocidade inteira
sem ter uma dor um sofrimento,
e é hoje milionário de miséria e de saudade...

Teve reinos enormes de prazer e de alegria,
riquesas fabulosas que contar não pôde...
Perdeu tudo...um incêncio devoradore
tudo lhe levou: a casa, a mulher, os filhos... a luz dos olhos
e a alegria de viver...
Só lhe fiou o violino amado,
a sua gloria imortal,
que lhe arrancva aplausis
loucos, frementes do mundo todo inteiro...

Todas as noites, quando a lua nasce
e cresce e erra a tristeza e a saudade
o Artista-Máximo do violino máximo
vem tocar sob as ogivas d´outo
do meu palácio de marfim...

E o violino soluça longamente,
destilando na minh´alma sensasoes estranhas,
vibrações de magia que não têm reemédio...
mas que são conforto p´ra a aridez da vida...

Debruçad n terraço de jaspe do meu palacio dourado
e recostado em cochins de filigrana e de brocado,
escuto entontecido, embaladoramente
o violino da paixão e da saudade...

À minha volta, as orqudias d´ouro,
s cravos rubros, as tulipas encantadas
choram lnga, mansa... longamente,
fazendo sangrar o meu coração...

E pela noite em fora, pela noite morta,
o violino chora, chora mansamwente...
raduzindo num soluço epassado
da maior tristeza
a minha dor sem par...

Lentamente desço as escadas d´ouro
do meu palácio encantado
e enho sentar-me junto do seguinho
a ecutar o violino mágico
que traduz a minha dor, a minha inquieture...
E, demorada. aaixonadamente,
sofregamente, bejo o violino que é a minha alma
e todo a minha vida...

E à meia noite quando a lua more
e as nuvens frias a vão enterrar,
o violino grita, grita loucamente
a dor infinita da desoação
que me rasga o eito...

Nesta noite esterna, que não mais tem fim,
o violino lentamente,
e3m crispações nervosas que arrepiam fundo,
soluça, geme, grita, expande e traduz
todo a minha dor!!!...