Dia Desses

Sempre tive fome de música, poesia e palavras, por algum motivo já não estava sentindo as músicas do mesmo modo que costumava sentir, parecia que já não me causavam aquilo de especial que eu encontrava ao ouvir, assim como as sextas feiras estavam se tornando dias comuns.

Tentei de distintos modos voltar aquilo que me fazia sentir, mas o sentido já havia mudado e quando me vi eu estava saindo de um lugar, embora ainda não tivesse certeza do destino, só sabia que não havia volta, me senti furiosa, quis gritar com todas as minhas forças, me resultou difícil perceber que algo se havia partido e que fui eu quem partiu.

Pensei naquele quarteirão de sonhos infundados visitados e ressuscitados tantas vezes por mim, caralho! Algo dos entardeceres eu precisava reviver, os guardei por tanto tempo em uma mala onde eu abria a cada dia cinzento para sentir o ar que exalava lá do fundo, me deleitava com as memórias olfativas, ou sei lá como se chama isso.

Corri até o espelho mas a imagem antes vista por mim por toda uma vida havia desaparecido, aquele brilho um tanto ingênuo nos olhos cheios de sonhos não estava lá, as linhas de expressão estavam mais acentuadas, corri para a sacada em busca de alguma imagem que pudesse ser recuperada ou que eu pudesse segurar mas de nada adiantou, nem aquela borboleta podia me salvar, nem as estrelas e tampouco a lua.

O dia amanheceu com toda a serenidade dos amanheceres, olhei através da janela e sorri esperançosa, fui até o espelho, enquanto caminhava respirei fundo algumas vezes numa tentativa de que restasse algo de mim na imagem com a qual eu me depararia.

E lá estava eu! O velho olhar já havia partido mas foi substituído por um outro olhar, esse não vinha do sol, nem das primaveras e nem do outono, acredito que se trata de um olhar forte que encontrou outros modos de ver e de enxergar, descobri os meus olhos.