Xénon

I

Rasguei com os nervos

a simetria inequívoca

das ruas de meus pés incansáveis,

paralelismos de dores tortas:

quase década,

quase decadente,

quase decaí.

Ícones dependurados dos altares

que mirei e não consegui fervor.

O pânico da multidão

sob a chuva da Central do Brasil

não se esparsa.

Pedintes, dropes de hortelã,

meu sotaque de Minas,

minha marca indelével no asfalto.

Solitário-casaco-de-pele,

hibernar do urso,

poemas ao fogo.

As crianças brotaram

na beira da estrada:

duas orquídeas improváveis.

Perspectivas isométricas

e eu sondando:

Tristans Corbières sem a poesia,

Isadoras sem o gesto.

E eu acabrunhando,

marchando.

Desertos interpessoais,

castelos parietais,

a sede do abismo.

II

Admirável:

a música

é o cadafalso de libertação.

III

Amei

uma

mulher

de

olhos

verdes.

Verde.

IV

Signo é a influência

de coincidências

malogradas.

Drogadas horas:

lilás e bruma.

V

Previ confidências com o vento

que as levou desprevenidas

aos confins das avenidas.

Estranhas peças do estatuário

das esperanças.

Lamento o trincar no mármore.

Marmórea espera espreita na porta.

VI

O mar não puxou

de seu carisma

a espuma cínica

do momento de contemplação.

Impassível, urinei sob suas ondas.

Sal que não desintegrou minha pele,

rugas internas.

O mar ficou silencioso

no arrebentar das pedras de limo e pesca.

A face de néon da cidade

maquiou o negrume do mar

e apenas isso guardei.

VII

Campanários agnósticos,

doutrina de Kardec,

niilismo alemão,

candomblé de Amado e Eco,

o comovente descer da cruz,

profissões de fé e o Dionísio das uvas.

VIII

Oito

de

agosto

de

noventa

e

oito.

(quase Phaos).

IX

Mítico: a noite das estrelas.

O acre sabor no não encontro,

sombra aconchegante.

Concha,

chega,

ante.

X

Cheio, transbordante,

o pote de tinta acrílica

azulíssima ao arrebol sanguíneo.

Arde, nefando,

meu progresso cautelar.

Cãs na barba e na nuca

e ainda a cautela.

XI

Sopro,

sobrenome simplório

para a natureza simplória

que reflete além da esfera

e que, às vezes, não rói.

O contraveneno hermeticamente escancarado,

sob a mesa,

envelhece.

XII

Nas ruelas natimortas

de Ouro Preto,

entorpecido,

batia com as mãos cerradas

os sobrados e as igrejas de aurora.

Não me aceitaram ali.

Subi ao Itacolomy,

engoli o choro

e alcei voo do nunca mais.

Minhas asas eram de aluguel:

quinze anos!

XIII

Sábado de outubro:

na dor de uma esquina impossível

reencontrei a verdade inconteste

de minha jornada.

Estrangeiro em próprias plagas,

fantoche de Epicuro às avessas.

Sem maiores resoluções,

sem maiores piedades,

inquisidor de sortilégios e sempre.