Tarde da noite (é poesia porque é minha)
Curitiba, 05 de janeiro de 2020.
é tarde da noite
há música no fone
sou viajante
esqueço-me
de que o mundo
já me esqueceu
de que amigos
já não mais tenho
os que sobraram
estão documentados
existem, sim
num plano paralelo
existem, sim
nos meus sonhos
e a imensidão verde
regenera minha alma
para mais um dia de cinza
a infância
a doce infância
é uma pilha
de folhas amareladas
no livro da vida
não sei o quanto falta
até eu ser apenas poeira
ser talvez
aquela ilusão
que eu própria
chamo por aí de estrela
eu olho para o céu
e aclamo sonhos mortos?
quando caio no sono
de olhos abertos
o desejo me consome
nos meus dedos
poeira de estrelas
sonhos adormecidos
s e n t i m e n t o s
cansados da prisão
do voto de silêncio
da clandestinidade
na lousa infinita
a poesia se faz
menina de alma livre
não olha para trás
de coração
para coração
a palavra conecta
regras aprisionam
eis o argumento
dos odiadores:
deve ter métrica
deve rimar
deve ter forma
eis que respondo:
foda-se a métrica
foda-se a rima
foda-se a forma
a busca pela franqueza
faz de mim menos poeta?
e minha autenticidade,
deve pelos ares ficar?
no silêncio da noite
evocam as epifanias
deve imperar a liberdade
para a poesia ser o que é
a minha expressão
o meu caminho
a minha impressão
de verso em verso
para a lousa me confesso
até os olhos pesarem
durante o dia
não posso ver
as estrelas brilharem
mas a poesia sentida
ilumina recantos escuros
é o alento das almas solitárias
os odiadores que recuem
sabem impor regras
e amadores são
na arte de sentir
porque a construção
é deveras laboriosa
e nenhuma palavra
se insere ao acaso
estrofe por estrofe
as portas da alma
se abrem para visitação
não ouse quebrar um coração
se a crítica visa
aprisionar a criatividade
fecho os ouvidos
é poesia porque é minha
é poesia porque assim é
é poesia porque ela quer
é tarde da noite
um primeiro suspiro
entre uma canção e outra
minhas mãos brilham
sob a luz da lua
que me cobre como um véu
sinto-me uma criança
que se lambuzou de tinta
e ri com gosto
e balança bem alto
e corre pelo quintal
e nunca se cansa
ninguém lerá
não mais faço questão
sou apenas um meio
para a poesia existir.