A PRIMEIRA POESIA

Você sabe e eu sei

que somos fora-da-lei,

somos o que a filosofia chama

de, a primeira, do pensamento, cama,

somos a fogueira dos primórdios,

inventamos o amor e o ódio,

a roda, a suprema invenção,

e nos perdemos e nos achamos

dentro das rodas do coração,

criamos do pó o tijolo,

do trigo no campo o bolo,

alçamos até alcançar a lua,

nos dobramos no chão da rua,

beijamos a mão de quem nos verga,

na escuridão nosso olhar enxerga

a luz pequenina que carrega o vaga-lume,

prendemos o amor numa caixa de ciúmes,

matamos moléstias em nossos laboratórios,

nos matamos sentados na cadeira do escritório,

buscamos o que nos parece fora de alcance,

julgamos que podemos dar, pela sorte, o maior lance,

andamos juntos como uma grande família,

estamos sós como minúsculas ilhas,

acordamos cedo, comemos o pão, bebemos o café,

em nossa vã certeza levamos as dúvidas da fé,

navegamos no mar de impossibilidades nossa jangada,

procuramos o porto para o descanso, uma enseada,

descansamos depois da luta ferrenha de todo dia,

olhamos o céu e lá, escrita, está a primeira poesia...