UTOPIA
O homem, quando nasce, se aparta do sonho,
às vezes fica triste, às vezes risonho,
anda pelas lâminas da incongruência,
bebe de porre no copo da ciência,
amansa cavalo baio, faz regime,
combate, feroz, o que lhe oprime,
escreve o que lhe dá na telha,
quase morre de sede num mar de areia,
finge apagar as marcas da opressão,
vende armas, a que fere o coração,
sugere novas filosofias sem mudar,
muda o corpo, mas só de lugar,
descobre estrelas que vadiam no espaço,
sabe-se centelha que vaga, sem laços,
cria, desmancha, refaz, ergue, soterra,
num ponto equidistante, só, espera,
de mãos dadas avança contra tanques,
na vala escura da democracia, exangue,
repete ter visto a utopia vencer a guerra,
mas sabe que ao seu encontro virá a fera,
outro homem, vestido com armadura de vidro,
sente que o que lhe era cheio se tornará vazio,
então toma a mão do espírito e reza uma prece,
se comove, se enternece, despede-se dos seus,
diz uma poesia, subserviente, se encontra com Deus...