AS TRÊS FACES DO POETA

POETA EM CRISE

Arrastando correntes sobe ladeiras,

arfando, suado, pensando em palavras;

borbulha o sangue fervendo nas veias,

sabe-se léxico em fonéticas larvas...

Ergue e desmonta catedrais de versos,

escreve e apaga como um velho mar;

em todas as coisas está todo imerso,

na última estrela ao primeiro raiar...

Toca banjo chamando os anjos,

espia astronautas vagando no espaço;

a todos pedindo, um verso clamando,

que seja miúdo, torto, um traço...

Em página qualquer o dicionário

não lhe dá pista do dito que dirá;

procura, feito um missionário,

a chave da porta do seu doce mar...

Ainda agora passou pela praça

em bicas suando e dele alguns riam;

mal sabem da nobre alcançada graça,

depois do calvário a redentora poesia...

POETA EM FESTA

O poeta é o garçom

de sua própria festa;

fala, canta, dá o tom

e poesia à todos empresta...

Serve como fosse um padre

salvando almas perdidas;

para o poeta nunca é tarde,

tarde sabe que só o fim da vida...

Clown, pajé, festeiro, palhaço,

pratica pantomimas e mistérios;

o que vem da cabeça sai pelo braço,

seu rosto às vezes risonho ou sério...

Já o vimos em público chorar,

num gargalho a festiva ode;

a lágrima se torna mar,

a onda de amor à boca sobe...

Escrevam, senhores,

em sua lápide fria, com calor,

que viveu muito amores

e se foi ao amor do Senhor...

POETA EM TRANSE

Transita esferas de alta voltagem

além das matérias de pobre cobiça;

só vai ao depois quem faz a viagem

no levitar que só os poetas transitam...

A grama é floresta quando inseto se torna,

minério nos ossos e ventania nas veias;

do espaço celeste em cometa retorna

pousando vaga-lume na mais santa ceia...

Doma instintos e cavalga a si mesmo

no campo sinéptico em busca de versos;

verás um poeta, jamais, andando à esmo,

no palco sem fim dança seu estro...

Cava e cava em busca do ouro fonético,

nada e nada no nada que nada lhe dá;

nada lhe é imoral pois tecer é ser ético

no tudo que poesia quer lhe ofertar...

O mais novo busca o ciscar no precioso

baú dos poetas acima da gravidade;

faquir das palavras em momento gozoso,

em transe transita no que lhe é verdade...