Branco
Nem que eu escreva mil versos de uma lírica interminável
Nem que eu preencha mil mundos de papel de seda e tinta inesgotável
Eu conseguiria dizer o que sinto
Ou expressar toda essa saudade infindável
Nessas noites de vigília
Olhos na janela
Café esfriando na mesa
Todas as palavras infundadas
Tantos meses de cartas guardadas
Nem que eu caminhe mil quilômetros em um temporal
Nem que eu viva debaixo desse mundo prestes a desabar
Eu vou chegar onde quero
Não alcanço minhas próprias palavras
Não consigo medir meus atos
Nem entender os fatos
Nem que eu veja mil explicações vou arranjar um nome
Para essa dor de não te ver
Essa dor de não viver
E não poder
Nem ao menos escrever
O que sinto nesses dias apagados
Onde o sol brilha mórbido
Por um mar de lembranças amareladas
A saudade continua imersa
Num resquício de esperança
Numa última força
Num último verso de palavras sem rima
Uma última canção sem som
Nem que eu viva mil anos sem descansar
Ou veja mil mágoas passarem
Não vou nunca poder aceitar
E nem acreditar que vi as coisas acabarem
Nessa noite de frio e brisas mortas
Os olhos já não olham mais
As lágrimas embaçam os sentidos
As janelas fecham em um gesto seco
Eu espero aqui
Nem que demore mil anos de solidão
Ou mil vidas de uma dor cruel
Eu desistirei de continuar aqui
Vivendo os dias a espera de um só dia
Vou caçando esperanças, construindo ensejos.
E vou assim vivendo as noites em pranto
Escrevendo sonhos e grandes desejos
Em um papel que permanece eternamente em branco